O crime do senador Gomide

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Ilustração do Senador Peixoto Gomide

 

Preconceito e arrependimento levaram Francisco de Assis Peixoto Gomide a derramar o próprio sangue para evitar um casamento indesejado.

BLUELINE

Não é difícil acharmos em nossas cidades, ruas, escolas, praças e monumentos com o nome Peixoto Gomide. O nome do então presidente do Senado do Estado de São Paulo, além de ilustre político e pessoa influente, foi o autor de um dos crimes mais sangrentos da história da cidade de São Paulo, uma verdadeira cena de horror como descreveria do Estado de São Paulo em sua edição de 21 de Janeiro de 1906.

Tal cenário ocorreria num casarão em estilo neoclássico no número 25 da rua Benjamin Constant, no centro de São Paulo, próximo a Praça da Sé e a uns 200 metros do Largo São Francisco, que era um dos endereços mais sofisticados da Capital.

Festas dignas da nobreza europeia, com muito champanhe francês, caviar e valsas vienenses, encantavam a vi­zinhança, que se reunia na calçada para acompanhar a chegada dos con­vidados.

Em 20 de janeiro de 1906, uma pequena multidão voltou a se formar na frente da casa, mas por uma ra­zão nada festiva.

Na tarde daquele dia, o dono do casarão, o senador Francisco de As­sis Peixoto Gomide, então com 56 anos, assassinou a filha Sophia, de 22, e se suicidou. A notícia se espalhou como rastilho de pólvora e, rapidamente, chegaram à residên­cia políticos, secretários de Estado, juízes, promotores públicos, empresários e pa­rentes de Peixoto Gomide, que à época era presidente do Senado paulista.

A atitude do velho político causou per­plexidade, pois Peixoto Gomide era considerado um homem equilibrado.

Segundo depoimentos de empregados, pai e filha con­versavam na sala de jantar, tendo sido interrompidos duas vezes por uma cozi­nheira,- na primeira para levar o chá com torradas e, na outra, para apanhar a louça.

Propaganda da arma utilizada por Peixoto Gomide

Propaganda da arma utilizada por Peixoto Gomide

Sentada à mesa, a ga­rota bordava um lençol, enquanto o senador andava de um lado para outro, quando então ele parou e encostou um revól­ver Smith & Wesson na tes­ta de Sophia.

Que é isso meu pai? — espantou-se a garota.

Não é nada, respondeu o senador, apertando o gatilho em seguida.

O impacto fez com que a moça fosse jogada para trás, rolando pelo chão. Sua mor­te foi instantânea. Com o ba­rulho, apareceram na sala a mulher de Peixoto Gomide, Ambrosina, dois de seus fi­lhos, Gnesa e Alceu, e uma criada.

Mudo, o senador mantinha o braço estendido, como se estivesse escolhen­do uma nova vítima. Chegou a apontar a arma para Gnesa, mas a empregada, aos gritos, o convenceu a abaixar o re­vólver. Em seguida, cami­nhou tranquilamente até a sala de visitas, encostou o Smith & Wesson no ouvido esquerdo e puxou o gatilho. A arma falhou. Ele então ro­dou o tambor e disparou de novo, caindo junto ao piano, mortalmente ferido.

Poesia – O pivô da tragé­dia, ao que tudo indica, foi o promotor público e poeta Ma­nuel Baptista Cepellos. Ele se apaixonou por Sophia e pediu a um político do Interior que intercedesse junto a Peixoto Gomide para namorar a garo­ta. O senador não só permitiu como, em 1905, reuniu os amigos para comunicar o ca­samento de Sophia com o pro­motor. A cerimônia seria em 27 de janeiro de 1906, mas os comentários maldosos o fize­ram mudar de idéia.

O poeta Manuel Baptista Cepellos, motivo do crime da Rua Benjamin Constant

O poeta Manuel Baptista Cepellos, motivo do crime da Rua Benjamin Constant

“E não é que o Gomide vai casar a filha com um ex-soldado, um boêmio… um poeta.” Esta era a frase mais ouvida na cidade, segundo René Thiollier, autor do li­vro Episódios de Minha Vida. A fama do futuro gen­ro infernizava o senador, que passou a ser alvo de cha­cotas.

Colegas do Senado e pessoas que o encontravam na rua maldiziam o ofício de fazer poesia. Peixoto Gomide era do tempo em que a palavra em­penhada valia mais do que documento assinado. Por isso, preferiu matar Sophia e se suicidar, a ter de recuar de sua decisão.

A tragédia do poeta

Natural de Cotia, na Grande São Paulo, onde nasceu a 10 de de­zembro de 1872, Manuel Baptista Cepellos teve uma infância humilde. Filho do professor pri­mário João Baptista Ce­pellos, ele trabalhou em serviços rudes, foi um autodidata e sempre aca­lentou o sonho de ser um poeta famoso.

Ao mesmo tempo em que cumpria as suas obrigações como soldado do Corpo Municipal Permanente, transforma­do depois em em Força Pública, exercitava a arte de es­crever poesias. Dedica­do, galgou rapidamente o posto de capitão.

Mas não era o sufi­ciente para ele, um homem ambicioso. Matriculou-se no Anexo da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em 1895, onde estudou, entre outros, com Bruno Peixoto Gomide, ir­mão de Sophia. Teve também seus estudos de Direito financiados pelo senador Peixoto Gomide

Formou-se e, como não conseguiu fazer car­reira como advogado na Capital, ingressou no Ministério Público. Foi promotor em Ipiaí, Sarapuí e, no início de 1906, transferido para a comarca de Itapetininga, na época uma das mais importantes do Es­tado. Não pôde compa­recer ao enterro da na­morada e do pai dela por estar em meio a um jul­gamento, no Interior.

Enquanto analisa­va processos, Baptista Cepellos construía sua obra literária. Ele era o poeta preferido de Ola­vo Bilac. Publicou as poesias e os romances “A Derrubada”, “O Cisne Encantado”, “Os Bandeirantes”, “Vaidades” e “O Vil Metal”.

Desgostoso com a morte de Sophia, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde nunca conseguiu se firmar profissionalmente. Teve até de vender os seus livros, de porta em porta, para pagar casa e comi­da. Em 7 de maio de 1915, Cepelos foi encontrado morto junto às pedras da praia que existia na rua Pedro Américo, no Catete. Não se sabe, até hoje, se teria sido suicídio ou uma queda acidental, pois sofria de miopia.

O dr. Francisco de Assis Peixoto Gomide nasceu na capital em 1848. Formou-se em 1873 e, logo depois de formado, foi advogar no Amparo, onde casou com d. Ambrosina Pinto Nunes, filha de um velho capitalista e honrado português que ali residida. De Amparo, mudou-se para a capital, onde estabeleceu residência definitiva.

Era um republicano dedicadíssimo desde os primeiros dias da propaganda. Foi vice-presidente do Estado e, no exercício do governo, revelou-se um administrador inteligente e criterioso. Era presidente do Senado e muito querido naquela casa do Congresso paulista por seu caráter de elevada qualidade tinha muitos amigos, era chefe exemplar de família, até o dia trágico do crime.

Sabendo do trágico acontecimento, o presidente do Estado instruiu a todas as repartições públicas estaduais para hastearem as bandeiras em posição de funeral e cancelou seus compromissos em respeito ao ocorrido. Além das repartições estaduais, também as repartições federais e municipais (Câmera Municipal), além do jornal Correio Paulista, hastearam a bandeira a meio mastro.

Recebeu várias honras, e seu cortejo fúnebre foi acompanhado pela força pública, inclusive da cavalaria inicialmente estacionada no largo São Francisco. Peixoto Gomide era um personagem tão ilustre que compareceram em seu funeral, o presidente do Estado, Secretários Municipais, Chefe de Polícia, senadores e deputados estaduais e federais, ministros do Chile, Paraguai e da Guatemala, secretarias do Senado e da Câmara, corpo consular sediado em SP, comandantes da Força Pública, comandante e oficiais da Guarda Nacional, Presidente da Câmara Municipal, prefeitos e vereadores, ministros do Tribunal de Justiça, membros do Ministério público, juízes federais, além claro de seus familiares, a grande quantidade de amigos e admiradores, e o alto funcionalismo da época.

nobreatehoje

Este edifício de 5 andares foi construído após a demolição do casarão neoclássico, onde ocorreu o famoso crime.

Este edifício de 5 andares foi construído após a demolição do casarão neoclássico, onde ocorreu o famoso crime.


BIBLIOGRAFIA

  • Savarese, Renato – “Já Diário Popular” 22/12/1996
  • Consultoria: Wilson Cocchi
  • Scholz, Cley – Jornal “O Estado de São Paulo” 10/01/2012
  • Wiki – Peixoto Gomide
  • Wiki – Batista Cepelos

Updated: 17/08/2013 — 9:43 pm

4 Comments

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  1. Amaral, é impressionante como as “fofoquinhas” eram valorizadas por algumas pessoas da época. Hoje, uma pessoa culta como ele, dificilmente cometeria um crime por esta razão. Certamente administraria o episódio sem grandes dificuldades. Obrigado pelo artigo!

  2. Parabéns…. Esplêndido conhecer cada vez mais detalhes da nossa querida São Paulo ! História chocante…. Abraços.

  3. Isso sim que ocorreu com ele foi bullying!

  4. Amaral….você não vai acreditar, mas o João Batista Cepellos era o meu bisavo.

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