Sua Excelência, o Bauru

A trajetória de Casimiro Pinto Neto, o homem que inventou o sanduíche mais famoso do Brasil

Uma das histórias mais saborosas de São Paulo esteve prestes a ser contada tintim por tintim, em 1999.  Tratava-se da origem do bauru, o famoso sanduíche criado pelo bauruense Casimiro Pinto Neto no Ponto Chic do largo do Paissandu, região central da Capital, na década de 30. Quem se propunha  a narrar o feito gastronômico é o jornalista e pesquisador Ângelo lacocca, hoje com de 62 anos, cujo título seria “Ponto Chic, Um Bar na História de São Paulo”  que pretendia, com a obra, colocar um ponto final na polêmica sobre a idade do sanduba. "São 74 anos bem passados", diverte-se ele, envolvido no projeto desde 98.

Ângelo bateu o martelo depois de receber um depoimento de Rosário Benedito Pellegrini, colega de Casimiro na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. O pano de fundo, segundo ele, foram as eleições para o Centro Acadêmico XI de Agosto, em novembro de 1936. Uma das facções transformou o Ponto Chic em quartel-general e iniciou uma vigília de 72 horas regada a muito chope. Bauru, como Casimiro era conhecido, fez história, aos 22 anos:

"Eu estava com muita fome. Cheguei para o sanduicheiro Carlos e falei: 'Abre um pão francês, tira o miolo e bota um pouco de queijo derretido dentro'. Depois disso, o Carlos já ia fechando o pão e eu falei: 'Calma, falta um pouco de albumina e proteína nisso. Bota umas fatias de rosbife junto com o queijo'. O Carlos colocou e já ia fechando de novo quando tornei a falar: 'Falta vitamina. Bota aí umas fatias de tomate.

Quando eu estava comendo o segundo sanduíche, chegou o Quico (Antônio Boccini Jr.), que era muito guloso e pegou um pedaço do meu sanduíche e gostou. Aí, ele gritou para o garçom, que era um russo chamado Alex: 'Me vê um desses do Bauru'", escreveu Casimiro, em texto publi­cado no jornal Bauru Ilustrado após a sua morte, nos anos 80.

Como você deve ter  reparado, a receita original, até hoje respeitada nas quatro lojas do Ponto Chic, nada tem a ver com o mata-fome servido nos balcões da vida, à base de mussarela, presunto e tomate. Por quê? O ex garçom Antônio Alves de Souza, de 69 anos, que assumiu o controle da rede em 1978, explica o motivo: "O sucesso do bauru foi tão grande que outros bares da região central, como o Avenida, o Jucá Pato e o Cinelândia, resolveram adotar a fórmula na década de 40. Mas acabaram trocando o rosbife pelo presunto e o queijo prato pela mussarela, para reduzir os gastos com matérias-primas".

Com o passar dos anos, o próprio Ponto Chic aperfeiçoou o quitute. O queijo prato ganhou o reforço do gruyère e do estepe, igualmente derretidos. O recheio é completado por cinco ou seis fatias de rosbife, três rodelas de tomate e outras três de pepino em conserva. "Em meados dos anos 50, colocava-se a conserva no americano. Resolvemos, então, adotá-la também no bauru, explica Souza. A clientela aprovou: dos 900 baurus vendidos diariamente nas quatro lanchonetes da rede, 90% levam pepino.

Ângelo lacocca, no entanto, garante que o inventor nem sequer provou a inovação executada em sua obra. E por uma razão muito simples: "Ele tinha úlcera, não comia nada em conserva"

Além de ter criado o sanduíche mais famoso do Brasil, Casimiro fez fama como radialista, ofício que abraçou durante a Segunda Guerra Mundial. Depois, foi locutor publicitário, o primeiro dos repórteres Esso, dono de cartório e diretor da rádio Panamericana, atual Jovem Pan.

Nascido em Bauru, em 1914, radicou-se na Capital paulista. Vez ou outra ia visitar algum parente na cidade natal, onde sua criação, por ironia, demorou a chegar. O responsável foi José Francisco Jr., dono da lanchonete Skinão, aberta em 1971. "Mais de 90% da população da cidade desconhecia a receita original. Dei até sanduíche de graça para que se acostumassem com o sabor", conta ele, que vendia na época, em média, 60 sanduíches por dia, recheados com um creme à base de queijo prato e mussarela.
Casimiro morreu em 1983. Dei
xou a mulher, Mirian Ribeiro Leite Pinto, de 65 anos, as filhas Patrícia e Cássia, netos e uma legião de fãs de seu sanduíche, que virou
marca registrada do Ponto Chic.


Como conta Ângelo lacocca, foi
homenageado ainda em vida, com a inauguração de um busto, em 81, na loja do largo do Paissandu, reaberta naquele ano. Não poderia ser diferente, pois, além de tudo, também era um fiel freguês. "Mesmo de cama, ele pedia para mandar­mos baurus para sua casa", revela Antônio Alves de Souza.

Sua majestade o Bauru

 por João Podanovsky  e Fotos de Marcelo Santos


Onde um bom bauru? "Ora, direis", em qualquer lanchonete ou botequim desses Brasis. "E eu vos direi, no entanto", que bauru de verdade só existe em seis endereços paulistas: quatro na capital (rede Ponto Chic), dois na "cidade sem limites" de Bauru, no bar e lanches Skinão e, uma vez por ano (dia 1° de agosto, aniversário do município), na Praça Rui Barbosa, onde acontece a Festa do Bauru.

Pingos nos is. Há baurus e o bauru. Em qualquer lanchonete ou botequim chamam de bauru ao banal, embora gostoso, misto-quente com tomate. Já o pampeiro bauru gaúcho é, na realidade, um churrasquinho com queijo. Os cariocas por seu turno, imitados por nordestinos e nortistas, rotularam como bauru o substancioso misto-quente enriquecido com ovo, alface e tomate — um óbvio americano, que o nome tupi não logra disfarçar.



Fazem-se outros baurus por aí, à moda da casa. Todos os elogios às (re)criações felizes, veementes protestos contra o indevido abuso do nome. O próprio Ponto Chic paulistano ousa perpetrar um herético "bauru no pão sírio". Dêem a essa deliciosa variação de beirute um nome qualquer, "baurute" por exemplo, mas defendam com unhas e sobretudo dentes a receita clássica do legítimo bauru no pão francês.

A Câmara Municipal de Bauru decretou e o prefeito promulgou a Lei 4314 de 24-06-98, autorizando o Executivo a providenciar o registro do nome "Bauru", cujos ingredientes especifica: pão francês sem miolo, queijo mussarela derretido na água, fatias de rosbife, rodelas de tomate e de pepino curtido em vinagre; condimentos: orégano e sal.

Essa a fórmula transmitida em 1973 ao Zé do Skinão (José Francisco, 1925-2002) pelo próprio criador do sanduíche famoso, o bauruense Casimiro Pinto Neto (1914-1983), de quem o Zé era amigo. Casimiro, radicado desde moço em São Paulo — onde se bacharelou em Direito, foi radialista (inclusive Repórter Esso), foi diretor da Rádio Panamericana (atual Jovem Pan), foi dono de cartório —, nunca impugnou a fórmula praticada pelo Ponto Chic paulistano, sofisticada num único detalhe: em vez de mussarela, três queijos (prato, estepe e um suíço) com um pouquinho de manteiga.

O bauru tem mais de 7 décadas. Foi inventado em São Paulo, em 1936, por Casimiro, então com 22 anos, acadêmico das Arcadas, enquanto jogava sinuca no salão reservado do antigo Ponto Chic do Paiçandu (fundado em 1922, fechado em 1977). O apelido do inventor passou a nome da invenção. A receita original não incluía picles. Casimiro tinha úlcera; mas aprovou a inclusão do pepino iniciada na década de 1950. (Mais detalhes no livro Ponto Chic — Um bar na história de São Paulo, que o jornalista Ângelo Iacocca tem pronto para publicação, fruto de longa, ampla e séria pesqusa.)

Após a morte de José Francisco (três dias de luto oficial), outra lei bauruense (28-08-2002) criou, dentro do Museu Histórico Municipal, o "Espaço Zé do Skinão", destinado a preservar tudo que se refira ao bauru, a Casimiro e ao Zé.

Agora quereis dar uma indulgente risada? Vede o que o dicionário Houaiss registra sobre bauru: Casemiro (em vez de Casimiro), início da década de 1930 (de fato 1936), ovo frito e alface na receita. "Ora, direis..."

Ponto Chic
Em São Paulo, nas Perdizes, Largo Padre Péricles, 139, tel. 3826-0500. Restaurante-lanchonete criado em 1978, nome autorizado pela viúva de Odílio Cecchini, dono do antigo Ponto Chic, que durou de 1922 a 1977. Dos Alves (Antônio, pai, José Carlos, filho). Filial no Largo Paiçandu, 27, tel. 222-6528, desde 1981, reativando o endereço histórico onde foi inventado o bauru. Mais duas filiais, uma no Paraíso, outra em Moema. Skinão

Em Bauru, Av. Rodrigues Alves, 10-05, tel. 224-1110. Bar e lanches criado em 1971 por José Francisco, saudoso Zé do Skinão, bem mantido pelo filho Marquinho (Marco Antônio Francisco, 40 anos). Zé, amigo de Casimiro, começou a fazer bauru em 1973, quando soube que o Ponto Chic estava para acabar: não queria que acabasse junto a tradição do sanduíche famoso, batizado com o nome de sua cidade. Todo dia, das 17h à meia-noite pelo menos.

E viva o Bauru !!!

 

Créditos/Agradecimentos:além dos já mencionados: Miguel Barbieri Junior e Eduardo Nasralla-Revista JÁ (08/08/1999)

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