A República Velha em Crise

A “Lei Celerada” (1927) - Enquanto a presidência de Artur Bernardes (1922-1926) foi extremamente conturbada, o que o obrigou a governar permanentemente em estado de sítio, a de seu sucessor, Washington Luís (1926 - 1930), sob esse aspecto foi tranqüila.

As revoltas tenentistas e o avanço do movimento operário - em suma, a questão social que chegou a ameaçar o poder da velha oligarquia - estavam dominados. Em 1927, entrou em vigor a lei Celerada, censurando a imprensa e restringindo o direito de reunião; essa nova lei era dirigida contra os tenentes e os operários filiados à organização revolucionária BOC (Bloco Operário Camponês).

Mas a aparente calmaria política do governo de Washington Luís era enganosa. No final do seu mandato, todos os vícios acumulados pela República Oligárquica conduziram a uma solução violenta - a Revolução de 1930 -, que pôs fim à República Velha.

A crise de 1929 e o fim da valorização do café - Em 1906, como já vimos, o Convênio de Taubaté deu início à política de valorização do café. O excedente era comprado mediante empréstimos no exterior e estocado, a fim de manter o seu preço internacional. Durante a Primeira Guerra Mundial, que paralisou o comércio internacional, a exportação brasileira de café declinou, trazendo de volta o fantasma da superprodução. Em 1917, diante da ameaça de uma supersafra, o governo central apoiou a realização de uma segunda valorização, com a compra de 3 milhões de sacas. Para alivio geral, em 1918, a geada atingiu 40% dos cafezais. Nesse mesmo ano, com o fim da guerra, o comércio internacional se normalizou, elevando o preço do café, para a euforia dos cafeicultores.

A alegria não durou muito. Em 1921, foi colocada em prática a terceira valorização do café, com a compra efetuada pelo governo central. A cada valorização, estimulava-se o plantio de novos cafezais, de modo que, nos anos 20, já se começava a pensar numa política que tornasse permanente a valorização.

Ora, um dos fatores básicos da Revolução de 1930 foi a crise da política de valorização do café, em virtude da violenta crise do capitalismo (1929).A grande depressão solapou a base artificial em que se vinha mantendo a lucratividade dos grandes cafeicultores.

Os efeitos da crise foram a retração do mercado consumidor, a suspensão do financiamento para estocagem do café, a exigência da liquidação imediata dos débitos anteriores. Em suma, caiu por terra toda a paciente montagem da política de valorização.

Cisão das oligarquias - Ao lado da crise da política de valorização, surgiu, em 1930, a questão sucessória. Washington Luís, ao contrário do que era esperado, não indicou como seu sucessor um mineiro, segundo o hábito do rodízio das oligarquias do PRP e do PRM. Em vez de um mineiro, Washington Luís preferiu apoiar a candidatura de Júlio Prestes, um paulista, para garantir a continuidade das práticas de proteção ao café. Ora, Antônio Carlos, presidente do estado de Minas, esperando ser o presidente da República, viu-se frustrado. Daí a cisão entre o PRP e o PRM, dois partidos que eram a base da República Velha.

Imediatamente, Antônio Carlos tomou o encargo de articular uma candidatura de oposição. Para isso, buscou o apoio do Rio Grande do Sul. Dessa união nasceu a Aliança Liberal, que lançou Getúlio Vargas (gaúcho) como candidato à presidência e João Pessoa, um paraibano, como vice-presidente. Para firmar o nome de seus candidatos, a Aliança Liberal baseou sua campanha na necessidade de reformas políticas: instituição do voto secreto, anistia política, criação de leis trabalhistas para regulamentar a jornada de trabalho e outras voltadas para a assistência do trabalhador. Rapidamente, a AL sensibilizou a massa urbana, ganhando apoio até mesmo dos tenentes.

A vitória de Júlio Prestes - Entretanto, nas eleições de 1° de março de 1930, o candidato eleito foi Júlio Prestes. Os velhos líderes gaúchos, como Borges de Medeiros, tendiam a aceitar o resultado. Um inconformismo tomou conta de políticos então emergentes, como Osvaldo Aranha e Lindolfo Collor, aos quais se juntaram os tenentes Juarez Távora e Miguel Costa. Um grave acontecimento veio enfim precipitar a revolução: o assassinato de João Pessoa.

João Pessoa governava o estado da Paraíba desde 1928 e era membro da Aliança Liberal. A sua política no estado sofreu forte oposição de coronéis do interior, apoiados pelos paulistas, que os ajudaram com o envio de armas. O seu assassinato em julho de 1930, quando conversava com amigos numa confeitaria, foi motivado por questões pessoais. Não se tratou de um atentado político. Mas, dado o clima de tensão e de frustração pela derrota, a morte de João Pessoa serviu como bandeira para os aliancistas desencadearem um levante armado contra a oligarquia paulista.

A 3 de outubro de 1930, toda a oposição se uniu, e um movimento militar teve início no Rio Grande do Sul. No nordeste, sob a liderança de Juarez Távora, começou a rebelião.

A deposição de Washington Luís - Enquanto isso, Washington Luís nada podia fazer, em virtude do seu isolamento. O próprio estado de São Paulo não estava coeso em torno dele. O Partido Democrático, fundado em 1926, fazia-lhe oposição. Assim, a perspectiva de resistência contra as tropas do sul, sob o comando do tenente-coronel Góis Monteiro, era nula. Para evitar maiores conseqüências, em 24 de outubro Washington Luís foi deposto pelos generais Mena Barreto, Tasso Fragoso e pelo almirante Isaías de Noronha. Washington Luís partiu para o exílio e Getúlio Vargas, chefe do movimento, assumiu a chefia do Governo Provisório.

Getúlio Vargas no Poder

O Governo Provisório - A 11 de novembro de 1930, através do decreto n°. 19 398, dissolveu-se ajunta Governativa que derrubara Washington Luís, formando-se o Governo Provisório, sob a chefia de Getúlio Vargas. O decreto definia as atribuições do novo governo e ratificava as medidas da junta Governativa. Confirmava-se nele a dissolução do Congresso Nacional e das Casas Legislativas estaduais e municipais.

As ambigüidades de Vargas - Tão logo a revolução triunfou, três forças políticas se alinharam. De um lado, as oligarquias tradicionais, que perderam o controle do poder; de outro, os tenentes, que, influenciados pelo fascismo - em voga na Europa -, defendiam a mais completa centralização do poder; no centro, os militares legalistas, que pretendiam a manutenção da ordem. Getúlio Vargas, equilibrando-se sobre essas tendências, não se definiu por nenhuma delas.

Assim, entre 1931 e 1932, fez concessões aos tenentes, nomeando-os interventores em diversos estados. Destacou-se nessa época o tenente Juarez Távora, que teve sob seu controle nada menos que doze estados, do Espírito Santo para o norte, o que lhe valeu, segundo a expressão dos seus opositores, o apelido de Vice-rei do Norte. O núcleo tenentista aos poucos foi sendo marginalizado. Nos fins da década de 1930, seria neutralizado pelo crescente prestígio que Vargas concedeu aos militares legalistas, que se opunham à tendência radical dos tenentes.

Portanto, o Governo Provisório não conseguiu solucionar os conflitos, pois Getúlio não atendeu às reivindicações dos tenentes e, tampouco, às reivindicações da oligarquia tradicional. Os primeiros, organizando-se em clubes políticos - entre os quais se destacou o Clube Três de Outubro -, defendiam um esquema de poder francamente ditatorial e a adoção de medidas econômicas nacionalistas, como a nacionalização dos bancos estrangeiros e das riquezas minerais. A última aspirava ao retorno imediato à normalidade constitucional, com a realização de eleições que supostamente a recolocariam no poder.

A Revolução Constitucionalista de 1932

São Paulo: perda da hegemonia – Com a revolução de 1930, São Paulo foi o grande perdedor. A “política dos governadores” e a política de valorização do café, que tinham garantido sua hegemonia até então, foram postas de lado com o triunfo da revolução de 1930 e a crise de 1929.

Por outro lado, agravou-se a contradição entre a velha oligarquia e a interventoria do tenente João Alberto. O Partido Democrático e o Partido Republicano Paulista se uniram, sob a palavra de ordem “interventor civil e paulista”, para exigir a imediata reconstitucionalização do país. A pressão da oligarquia paulista foi afinal sentida pelo governo central. Em 1 ° de março de 1932, Pedro de Toledo foi nomeado interventor de São Paulo, atendendo-se à primeira exigência.

O Código Eleitoral – Apesar da oposição tenentista aglutinada em torno do Clube Três de Outubro, no dia 24 de fevereiro de 1932 Getúlio mandou publicar o novo Código Eleitoral e o anteprojeto da Constituição, marcando para maio de 1933 as eleições para a Assembléia Constituinte. Pelo novo Código Eleitoral foram estabelecidos o voto secreto e, pela primeira vez, o voto feminino, além da representação classista, isto é, os sindicatos profissionais, tanto patronais como de empregados, elegeriam deputados que teriam as mesmas prerrogativas dos demais parlamentares.

A revolução – Apesar das reformas, em 9 de julho de 1932, eclodiu em São Paulo a revolução constitucionalista, que durou três meses. Os paulistas, chefiados pelo general Isidoro Dias Lopes, permaneceram isolados, sem adesão das demais unidades da federação, excetuando um pequeno contingente militar vindo de Mato Grosso, sob o comando do general Bertoldo Klinger.

Para reprimir a rebelião paulista, Vargas enfrentou sérias dificuldades no setor militar, pois inúmeros generais simplesmente recusaram a missão. Percebendo o débil apoio que tinha no seio da cúpula do Exército, e a fim de consegui-lo, Vargas rompeu em definitivo com os tenentes, que não eram bem vistos pelos oficiais legalistas.

Em 3 de outubro de 1932, em meio à crise militar e apesar dela, Getúlio conseguiu esmagar a revolta paulista.

A Assembléia Constituinte e a Constituição de 1934

A Constituinte – Em 3 de maio de 1933, com base no novo Código Eleitoral, realizaram-se as eleições para a Assembléia Constituinte, instalada em novembro do mesmo ano. A composição da Assembléia representou o ressurgimento das antigas oligarquias estaduais. Ao lado delas, surgiram os representantes classistas eleitos pelos sindicatos profissionais.

A Assembléia foi presidida pelo mineiro Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, e a terceira Constituição do Brasil - a segunda da República - foi promulgada no dia 16 de julho de 1934.A nova Constituição preservava o federalismo, o presidencialismo e a independência dos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.

Executivo – No plano do Executivo, nas disposições transitórias, fixou-se em caráter excepcional a eleição do primeiro presidente pelo voto indireto da própria Assembléia. Getúlio Vargas foi confirmado na presidência, vencendo seu opositor, Borges de Medeiros. A inovação mais notável no Executivo foi a obrigatoriedade da adoção de uma assessoria técnica para cada ministério. Extinguiu-se a vice-presidência.

Legislativo – No âmbito do Legislativo, foi mantida a divisão entre Câmara e Senado, sendo seus representantes eleitos por voto direto, secreto e universal, bem como pelo voto profissional, como preconizava o Código Eleitoral de 1932. O número de representantes na Câmara dos Deputados era proporcional ao número de habitantes dos estados: até vinte deputados, um deputado para cada 150 000 habitantes; acima de vinte, um deputado para cada 250 000 habitantes. Além disso, a Câmara contava com deputados eleitos indiretamente pelos sindicatos - patronais e de empregados, cujo número não excedia um quinto do total de representantes. O mandato dos deputados era de quatro anos. Quanto ao Senado, era integrado por dois representantes por estado, incluindo o Distrito Federal (Rio de Janeiro). O mandato dos senadores era de oito anos, sendo a metade renovada a cada quatro anos.

Judiciário – O Supremo Tribunal Federal foi transformado em Corte Suprema. Segundo Hélio de Alcântara Avellar, “à definição e atribuição pertinentes a esse poder, incluíram-se seções referentes à Justiça Eleitoral e Militar. Surge a Justiça do Trabalho”. Outra inovação foi o mandado de segurança, que permitia ao cidadão proteger-se contra os atos arbitrários de qualquer autoridade.

Nacionalismo e estatização. A política de imigração sofreu restrições, visando sobretudo a imigração japonesa: estabeleceu-se o limite de 2% sobre as nacionalidades já residentes no país. Proibiu-se a concentração de estrangeiros numa mesma região. Preconizou-se ainda a estatização de empresas estrangeiras e nacionais, quando fosse do interesse geral da nação. As companhias de seguro estrangeiras foram nacionalizadas; estabeleceu-se o princípio da propriedade nacional do subsolo, explorável privadamente mediante explicita concessão estatal. Por fim, ocorreu a nacionalização da informação, proibindo-se a imprensa nas mãos de estrangeiros.

A legislação trabalhista – A grande novidade da Constituição de 1934 foi a legislação referente ao trabalho. A questão social, que Washington Luís classificara como “caso de polícia”, passou a ser considerada “caso de política”.

Desde os primórdios da revolução de 1930 era nítida a preocupação com o trabalhador, antes simplesmente ignorado e destituído de qualquer direito. Assim, criou-se o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (26/11/1930), com Lindolfo Collor à frente. Nos anos seguintes, regulamentaram-se os sindicatos, a jornada de trabalho e o trabalho dos menores e das mulheres.

No texto constitucional, artigo 121, proibiram-se as diferenças salariais com base em diferenças de sexo, idade, nacionalidade ou estado civil. Foram estabelecidos salários mínimos regionais; jornada de trabalho de oito horas; descanso semanal; férias anuais remuneradas; indenização do trabalhador em caso de demissão sem justa causa; regulamentação das profissões; proibição do trabalho a menores de 14 anos, de trabalho noturno para menores de 16 anos, de trabalho reconhecidamente nocivo à saúde aos menores de 18 anos e às mulheres.

A razão principal que levou a nova classe dominante a se importar com o mundo do trabalho foi a preocupação em controlar e frear a formação de um operariado organizado, com ideologia própria. Desde a primeira década do presente século já era visível a propagação do anarquismo e do comunismo. Para vincular o trabalhador ao Estado, preparou-se uma legislação própria, que acabou ligando todos os órgãos trabalhistas (sindicatos) diretamente ao Ministério do Trabalho.

A educação – A criação do Ministério da Educação e Saúde, em 1930 (cujo primeiro titular foi Francisco Campos), já era sintoma de uma nova visão na área da educação. A nova Constituição estabeleceu, nesse ponto, o ensino primário obrigatório, com a perspectiva de fazer o mesmo, posteriormente, com outros graus de ensino.

Créditos/Fontes/Bibliografia:

História do Brasil - Luiz Koshiba - Editora Atual

História do Brasil - Bóris Fausto - EDUSP

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