REVOLUÇÃO DE 1932 : BLINDADOS DE CONSTRUÇÃO NACIONAL

 Em julho de 1932, a tensão resultante da revolução  de 1930 e suas conseqüências conduziram a uma rebelião em larga escala em São Paulo, com oficiais treinados por alemães e franceses em ambos os lados, que duraram três meses. 

 A revolução revelou as deficiências do Exército em uma preparação para o combate. A crítica de Tasso Fragoso, formulada quatro anos antes, de que a divisão de infantaria era pesada demais e impossível de manobrar, demonstrou-se correta. E a Companhia de Carros de Assalto, que poderia ter aberto brechas rapidamente nas linhas paulista, fora extinta em fevereiro de 1932, porque os blindados franceses apresentavam tantos defeitos que estavam todos indisponíveis, tanto que foram reformados às pressas nas Oficinas Ferroviárias de Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro. Havia precariedade no sistema de suprimento do Exército e a crucial importância da aviação tinha sido amplamente demonstrada, tanto que serão empregados  em larga escala por ambos os lados, principalmente para ataque ao solo e bombardeiro.

 São Paulo tinha poucos recursos para levar adiante esta revolução, obrigado a recorrer ao seu parque industrial, à força de vontade e imaginação, conseguiu façanhas quase impossíveis.

 Produziu uniformes, capacetes de aço, munições, armamentos leves e pesados,  granadas, morteiros, máscaras contra gases, instrumentos óticos, material de saúde, rações enlatadas, e veículos blindados sobre rodas e lagartas, além de trens e lanchas, inovarem no campo das operações psicológicas, empregando amplamente o rádio para difundir propaganda.

Outro agravante fora o fato de não contar com aliados de vulto, e havia também  sido privado de sua artilharia, aviação e ouros equipamentos bélicos, confiscados pelo  Governo Provisório logo após a Revolução de 1930.

Mas a utilização de veículos blindados pelos paulistas foi assim descrita pelo Coronel Herculano de Carvalho e Silva, Comandante da Força Pública de São Paulo durante a Revolução Constitucionalista de 1932, em suas memórias:

“depois das bombardas e das granadas, na ordem de serviços  prestados vêm os carros de assalto, os trens, as lanchas e automóveis blindados. Não conseguiu, a nossa engenharia, propriamente fazer tanques, de difícil mecanofatura, mormente  pelo material que exige, pela complicada engrenagem que requer. Substituiu-o o auto blindado.

Dos carros de assalto, os que provaram melhor na campanha Constitucionalista foram os trens com blindagem: a locomotiva, o tender, o vagão. Simples a blindagem: dormentes  de faveiro superpostos, e a revesti-los uma chapa de aço. As partes onde não se fosse possível o revestimento, eram cobertos  por uma outra chapa de aço mais grossa, e resistente a tiro direto de fuzil. Depois a decoração, a camuflagem: as cores da terra, do céu e das folhagens, para confundir o novo engenho de guerra com a própria natureza bruta, e não ser percebidos dos  contrários. 

Por dentro, em torre giratória, na parte dianteira, traseira e laterais do vagão as armas automáticas, as metralhadoras.

Operadores – o que as armas exigem. A entrada, por baixo, no leito da estrada; e para comunicação entre o vagão  e a locomotiva – ordens de parar, avançar, de retroceder – um telefone de campanha. Como respiradouros duas ou três viseira,  e só.

Pronto para entrar em ação, o trem blindado. Os operadores, nus da cintura para cima, tal o calor que ali dentro se verifica, naquele recinto inteiramente fechado e invulnerável  às balas de fuzis. Para danificá-lo somente as granadas de canhão, que o visavam sempre, mas que poucas vezes  logravam  acertar o alvo.

O trem blindado, como os demais carros de assalto, era uma fornalha viva. Os atiradores, sem querer, sujeitavam-se a uma tatuagem num dos braços, queimado continuadamente pelas  cápsulas deflagradas das metralhadoras, que  saltavam, e os apanhavam de raspão. Interessante: de metálico que  é o ruído  dos tiros das armas automáticas, nos carros de assalto  tornavam-se surdos, facilmente distintos à distância.” 

 

Durante esta revolução foram construídos seis  trens blindados (TB) denominados  TB-1 a  TB-6, nas Oficinas Ferroviárias, sob a orientação da Escola Politécnica Paulista e existiam com bitola estreita nas estradas de ferro Sorocabana, e Mogiana, e bitola larga na da Central do Brasil. A  concepção empregada em sua construção foi dada por um francês que vivia no Brasil, M.Clément de Baujaneau.

Normalmente o trem blindado era composto de uma locomotiva entre dois vagões, além de uma prancha à frente para verificar o estado da linha. Na frente do primeiro carro, ao centro, uma abertura maior dando saída à boca de uma peça Krupp ou Schneider de 75 mm, que se manobrava de dentro e ocupava toda a parte frontal do carro, permitindo apenas a circulação lateral. Era manejado à vontade, tendo sido fixado por meio de calços especiais, os quais evitavam seu deslocamento e o recuo durante o  disparo. Essa abertura era também protegida por um dispositivo semelhante às seteiras utilizadas para disparar as metralhadoras Hotchkiss de 7 mm. Acima existia um pequeno orifício, utilizado para observação. Alguns modelos possuíam torre giratória nas extremidades do vagão. 

 

 

A equipagem de um trem blindado era composta por três mecânicos e quinze homens por vagão e toda a iluminação provinha de eletricidade gerada na própria locomotiva, onde se achava o comutador.

 Já em relação aos carros de assalto sobre rodas aproveitavam-se chassis de automóveis e caminhões Ford, Chevrolet, Mac Coorning Deering, principalmente, sendo que a maioria deles foi construída nas Fundições e Oficinas Gerais Viúva Craig & Cia Ltda e J.Martin & Cia Ltda, na cidade de São Paulo, sob a supervisão técnica  do Engenheiro Francisco de Sales Vicente de Azevedo e amigos da Escola Politécnica, onde lecionava. Ao todo foram fabricados seis veículos que receberam as designações de FS-1 a FS-5 em homenagem ao seu criador.

Estes veículos possuíam particularidades interessantes, pois devido a escassez de chapas de aço mais grossa para sua confecção, resolveram o problema da seguinte forma, usava-se duas chapas mais finas de 11 ou 12  mm de espessura e entre elas recheava-se com lã de carneiro, de forma que caso o projétil atravessasse a primeira chapa não chegaria na segunda, além de terem toda a suspensão reforçadas, principalmente os feixes de molas para poder suportar o peso da blindagem.

Empregados nas diversas frentes em que lutavam os revolucionários, fronteiras do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná, a maioria transportava quatro homens, mas um deles, o  FS-8, podia transportar oito, estando muito mais para um transporte de tropas do que para um veículo meramente de reconhecimento e operou no Vale do Paraíba, ostentando uma pintura verde, embora a maioria fosse camuflada no padrão francês da primeira guerra mundial, nas cores marrom, verde e azul  claro com divisão entre as cores através de uma linha preta. Quatro possuíam torres giratórias de onde se podia disparar uma metralhadora ou um fuzil metralhador Hotchkiss de 7mm.

Foram empregados como blindados de apoio à infantaria, reconhecimento, exploração e apoio na retração das Forças Constitucionalistas, na fase final daquela revolução, quando um deles deu cobertura para a retirada de um dos trens blindados.

Vale ainda mencionar que em correspondência encaminhada pelo Quartel  General das Forças Revolucionárias do Setor Sul, em 23 de setembro de 1932, versando  sobre sugestões apresentadas pelo Engenheiro Chefe das Oficinas Mecânicas do Quartel  General, em Itapetininga, datada de 21 de setembro daquele ano, para modificações a serem introduzidas nos carros blindados, muitas pertinentes como melhoramentos nos assoalhos de madeira com melhor calefação para evitar entrada de poeira, aumento na altura do compartimento do motorista, abaixamento da borda inferior lateral da blindagem, colocação de uma alavanca que permitisse levantar parcialmente a tampa do cofre do motor para melhorar a sua ventilação, reforço e alongamento da chapa de proteção ao diferencial traseiro, instalação de um  gancho para reboque na sua parte frontal e por fim fazer uma abertura na parede posterior do cofre do motor, pois mesmo em combate se poderia fazer alguma pequena verificação de componentes vitais para seu funcionamento. Muitos destes itens foram atendidos.

Também foram blindados dois tratores agrícolas Fordson modelo F 1922, para a Guarda Civil do Estado de São Paulo, muito popular no Brasil e um dos mais produzidos e comercializados pela Ford Motor Company. 

Os tratores, designados FS-6 e FS-7, era recoberto por chapas de aço rebitado, formando um grande caixotão, armado com 4 metralhadoras Hotchkiss de 7mm, suas rodas eram de ferro fundido, sem borracha, sendo que as dianteiras receberam um blindagem extra, para proteger seus raios. Ele possuía no seu teto uma pequena torre para ventilação. Seu assoalho era todo em madeira, a única entrada se situava na parte traseira do mesmo. Possuía mais limitações que o trator convencional, baixa velocidade, pois o trator sem a blindagem alcançava 10,9 km/h,  muito embora tenha sido desenvolvido para apoiar a infantaria. Sua partida era dada manualmente através de uma manivela e sua ignição era por meio de magnetos. Na sua parte dianteira existia um escotilha que ajudava na ventilação do radiador, podendo permanecer aberta quando não estava em combate. Para manutenção do motor existiam duas escotilhas laterais que davam acesso direto, e ao longo de todo o compartimento do motor existia uma chapa de aço mais alta que propiciava uma ventilação constante do motor, mesmo com as escotilhas fechadas. O veículo não era confortável, pois exigia uma tripulação de no mínimo cinco pessoas, o que o tornava um forno ambulante.

Eles empolgavam a população paulista nos seus desfiles pelas ruas da capital, principalmente no de 7 de setembro, pois na realidade representavam muito mais um poder psicológico do que prático. Era todo camuflado nos tons de cinza e verde, impressionante.

Também se produziu três blindados sobre lagartas,  que foram chamados de “Tanks Paulistas”, utilizando-se de tratores agrícolas Caterpillar, que variavam entre 8 e 14 toneladas, sendo que dois foram operacionais e o maior e mais pesado não ficou pronto para ser usado durante a revolução.

Um bizarro blindado de lagarta, todo cinza, pesando oito toneladas se posiciona próximo à entrada de uma ponte na região de Cruzeiro, SP, ponte esta de madeira e devido ao seu peso era impossível transpô-la, junto a ele soldados paulista revolucionários, armados de fuzis e metralhadoras pesadas. Do outro lado do rio tropas do governo federal tentando ocupar essa estratégica ponte. No meio do avanço o blindado se coloca na extremidade da mesma e começou a “cuspir” fogo e disparar suas duas metralhadoras frontais, deixando em pânico a tropa invasora que imediatamente bateu em retirada, pois os soldados o viam como algo demoníaco, principalmente nos combates noturnos.

O Blindado em questão fora concebido um ano antes da revolução, quando a Força Pública de São Paulo criou uma Seção de Carros de Assalto, sendo o primeiro veículo a ela incorporado. Esse blindado de lagartas, único, construído sobre chassi de trator agrícola Caterpillar da série Twenth Two, muito comum no Brasil nos anos 30, foi desenvolvido pelo Tenente Dr. Reynaldo Ramos de Saldanha da Gama, com o apoio da Escola Polytechnica. Construído em chapa de aço  rebitada, com torre giratória, armado com um lança-chamas que atingia cem metros de distância, e ao redor de seu casco com quatro metralhadoras Hotchkiss de 7mm ele possuía uma aparência estranha  em relação ao que já fora produzido em outros países.

O blindado era lento, baixo centro de gravidade, pouca mobilidade em terreno acidentado, impressionando muito mais pelo seu aspecto do que pela sua mobilidade e eficácia. No seu interior acomodavam-se seis pessoas, o motorista e cinco artilheiros num desconforto total, mas mesmo assim ele impressionava. Sua blindagem resistia a tiros de armas leves. Era transportado sobre a carroceria de um caminhão em distâncias mais longas. Estava ainda equipado com dois holofotes, um na frente e outro na traseira, o que possibilitava ações noturnas.

Vale ainda registrar a construção de quatro lanchas blindadas, sendo que duas ficaram prontas para serem utilizadas na malha fluvial que corta o estado de São Paulo, principalmente o Rio Grande, Paranapanema e Paraíba, com uma tripulação de sete homens e armada com uma metralhadora Hotchkiss e mais quatro fuzis Mauser, todos no calibre de 7mm.

A revolução mostrou a importância destes engenhos, embora a grande maioria tenha sido projetada sob a supervisão de antigos integrantes de exército estrangeiros (Húngaros, Alemães, Ingleses, Americanos, Romenos, Russos, Checos, etc.), fruto das experiências da primeira guerra mundial, os revoltosos também não souberam usar seus blindados, sua variedade era muito grande, dificultando em muito seu emprego e o apoio logístico em ambos os lados ainda era extremamente precário.

O mais curioso é que cativaram a população e era comum ver cenas de crianças ao lado de modelos de blindados construídos com os mais variados tipos de material, como alegorias a favor da causa paulista, acompanhados de slogan como: “Se precisar também iremos”. 

 

Seu desenvolvimento, construção e importância para  o futuro, não foram bem assimilados pelos vencedores em todas as três revoluções, que ao invés de estudá-los e ver sua viabilidade, simplesmente os destruíram, pois a ortodoxia dos cavalarianos que não acreditavam que seus cavalos pudessem ser substituídos por engenhos desta natureza ainda levaria mais alguns anos para ser definitivamente mudado no seio do Exército Brasileiro.

Créditos/Agradecimentos:

Expedito Carlos Stephani Bastos, pesquisador de assuntos militares da Universidade Federal de juiz de Fora

Fechar a Janela Voltar para Histórias de São Paulo