A Batalha da Maria Antonia em 1968
Estava tudo calmo até o dia 2 de outubro de
1968. Alguns estudantes faziam pedágio na rua Maria Antônia, para conseguir
fundos para a participação em mais um evento da UNE
— “Ei, senhora, gostaria de nos ajudar com alguma coisa para participarmos do
Congresso da UNE?” — dizia um estudante no pedágio, próximo à Faculdade de
Filosofia da USP.
“Foi quando surgiram os “mackenzistas”, conta Pedro Jaime, hoje funcionário do
Mackenzie. Do lado da USP, os estudantes eram liderados pelo presidente da
União Nacional dos Estudantes, Luís Travassos, e pelo presidente da União
Estadual dos Estudantes, José Dirceu(CAMARADA DANIEL). Os estudantes
portavam pedras, bodoques e coquetel molotov.
Do outro lado, no Mackenzie, os mackenzistas estavam preparados para o combate
com bombas de ácido misturado a cal virgem, rojões, pedras, bodoques e também
coquetel molotov. “Não foi um confronto entre as duas instituições Mackenzie
versus USP, mas entre os estudantes da Faculdade de Filosofia da Universidade
de São Paulo (esquerdistas radicais) contra os estudantes mackenzistas,
considerados de centro-direita, conta José Dirceu.
Tudo começou porque alguns alunos do
Mackenzie atiraram ovos em estudantes da Filosofia da USP
— Mas o que se viu foi alarde do tipo “Corre, corre, corre... os caras estão
jogando bomba”. Corre, cara, quer morrer aqui? Vão matar gente lá dentro, vamos
ficar afastados dessa zona toda.
Ao longe a polícia observava. De um lado da rua, ouvia frases como “lança
neles”. Do outro lado, ouvia o pessoal da USP gritar: “Milico desgraçado!”.
O confronto entre os alunos da Faculdade de Filosofia da USP e os estudantes do Mackenzie, em 3 de outubro de 1968, entrou para a história como a Batalha da Maria Antonia. O nome é uma referência ao endereço das duas universidades, que em 1968 eram vizinhas na rua Maria Antonia, no centro de São Paulo.
Folha Imagem |
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Briga começou com ovos que eram atirados contra estudantes que cobravam pedágio |
para o Congresso da UNE
O objetivo da briga era a ocupação do centro universitário da USP, em 1968, que funcionava como um grande centro do movimento estudantil paulista todos da esquerda radical . O curso de filosofia e o centro universitário ficavam no prédio da Maria Antônia.
“Os dois lados da rua se revezavam em ataques e contra-ataques. Era só uma turma dar alguns passos para trás para o outro grupo assumir uma postura mais agressiva. Ofensiva. Eram ondas de fúria e valentia. Quase uma briga com coreografias. Quando a Filosofia parava para tomar fôlego e se reabastecer de pedras, o Mackenzie vinha para cima com tudo o que estivesse à mão. (…) No chão, centenas de pedras e fragmentos de tijolos. Uma nuvem espessa de poeira cobriu o quarteirão. Havia fumaça em toda a extensão da Maria Antonia. Era guerra”.
Alguns calouros se entusiasmaram e foram com Jose Dirceu disparar rojões por cima dos muros altos do Mackenzie.
A batalha da Rua Maria Antonia, que àquela altura havia amainado, recrudesceu. Os rojões foram respondidos pelo outro lado com mais rojões, coquetéis molotov e tiros.
O saldo da batalha foi trágico: o estudante secundarista José Carlos Guimarães foi morto aos 20 anos com um tiro na cabeça. Outros três universitários foram baleados e dezenas ficaram feridos.
Gil Passarelli-26.out.68/Folha Imagem |
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Estudantes do Mackenzie e da USP entram em confronto na rua Maria Antonia |
Os estudantes da Faculdade de Filosofia da USP --onde ficava a sede da ex-UEE (União Estadual de Estudantes)-- defendiam ideais de esquerda. Já os alunos da Universidade Mackenzie estavam mais alinhados com idéias conservadores defendidas por integrantes do CCC (Comando de Caça aos Comunistas) que se infiltraram no movimento estudantil. Também estudavam no Mackenzie integrantes da FAC (Frente Anticomunista) e do MAC (Movimento Anticomunista).
À frente dos estudantes da USP estavam Luís Travassos, Édson Soares --presidente e vice-presidente da ex-UNE-- e José Dirceu --presidente da ex-UEE.
Dirceu, aliás, foi um dos que discursaram pela morte do estudante secundarista. Ele comandou uma assembléia que decidiu que os estudantes sairiam em passeata pelo centro de São Paulo.
Apesar da morte, a batalha prosseguiu até que o prédio da USP foi incendiado, precipitando a transferência da faculdade para o atual campus Armando de Salles Oliveira, no Butantã.
O estrago na então faculdade de Filosofia da USP foi tão grande que o prédio ficou fechado e só muitos anos depois foi reformado, dando lugar ao atual Centro Universitário Maria Antonia.
Atual Centro Universitário Maria Antonia
“Uma guerra impossível de ser impedida que ficava cada vez pior. Agora, além dos ovos, paus e pedras, os estudantes usavam também rojões, coquetéis Molotov e até garrafas com ácido sulfúrico. Coisa de universitário…”
A polícia foi chamada e acalmou os ânimos. Por pouco tempo. O tempo suficiente para que os dois lados pudessem preparar as estratégias.
No dia seguinte a guerra foi deflagada de uma
vez. Artilharia pesadíssima foi utilizada desde as primeiras horas da manhã.
Inclua aí rojões com ácido que vinham atingir em cheio as salas da USP, fios
elétricos colocados estrategicamente no portão da Mackenzie para eletrificá-lo
(brilhante, não?), tiros de ambos os lados.
A polícia tentava intervir, mas em vão. Pipocavam bombas de gás lacrimogênio de
ambos os lados. Os fios de alta tensão foram atingidos, fabricando um lindo e
trágico espetáculo pirotécnico. Gritos, correria, fumaça, escombros, sangue….
Como é de praxe, as autoridades brincavam de batata quente. Para o General Sílvio Corrêa de Andrade, chefe do Departamento de Polícia Federal em São Paulo, todas as providências cabiam à polícia do Estado. “O que ocorre na Rua Maria Antônia é desordem, briga, e não manifestação política“.
A certa altura, ambos os prédios tinham focos
de incêndio. O patrimônio de ambas as universidades estava sendo sumariamente
destruído pelos próprios estudantes.
José Dirceu (aquele mesmo do PT) soltava frases de efeito: “As violências da
direita estão sendo respondidas pela violência organizada do povo e dos estudantes“,
ou “Vamos esmagar a reação.“
Mª Antônia, QG da USP
Eis que a primeira morte acontece. “A bala é de calibre superior a 38 ou de fuzil. Havia seis ou sete pedaços de chumbo no cérebro. O tiro entrou 1 centímetro acima da orelha direita e saiu à altura da linha mediana da cabeça, atrás, ligeiramente à esquerda. A bala fez um percurso de cima para baixo, em sentido oblíquo” – era o que dizia o resultado da autópsia de José Guimarães, que, curiosamente, não estudava em nenhuma das duas universidades. Era terceranista do Ensino Médio do Colégio Marina Cintra.
José Guimarães, logo após ser baleado. Morreria horas depois
A notícia da morte caiu como (mais) uma bomba entre os estudantes da USP. Rápidos, mudaram a estratégia e organizaram uma passeata pelas ruas de São Paulo. De quebra ainda queimaram alguns carros pelo caminho. Era o começo do fim da guerra.
Foi convocada uma assembléia na Cidade
Universitária e os estudantes da USP rumaram para lá. “Duzentos e quarenta
soldados da Força Pública, cem cavalarianos, dois tanques e cinqüenta cães
amestrados começaram a chegar na Rua Maria Antônia e vizinhança. O Mackenzie
foi ocupado sem problemas, mas alguns estudantes ainda atiravam bombas Molotov
contra o velho prédio da USP e pedras caíam sobre os jornalistas que tentavam
se aproximar.“
Os da Mackenzie aproveitaram para invadir o prédio da Filosofia e terminar o
que começaram. Se autodeclararam os vencedores. Tomaram um chopp para
comemorar.
Os estudantes da USP, com a camisa ensanguentada do estudante, tomaram as ruas de São Paulo e entraram em choque com a repressão. Os estudantes se manifestavam com barricadas, pregos para furar os pneus dos carros da polícia e bolas de gude para derrubar a cavalaria. O jovem José Dirceu, que não era universitário, entre outros, liderou a ocupação da rua Maria Antônia porém, quem deu o primeiro tiro foi êle, o CAMARADA DANIEL (vulgo Zé Dirceu) que, em seguida, saiu de fininho.
Ao fim da "batalha da rua Maria Antônia", a polícia invadiu os prédios da Filosofia-USP e da Universidade Mackenzie (onde já se encontrava, desde o início, entrando com armamentos, inclusive com tanques, pela rua Itambé, para enfrentar a Filosofia) e dezenas de estudantes foram presos.
Ao todo foram 3.000 estudantes do Mackenzie e
2.500 estudantes da Faculdade de Filosofia da USP em mais de 36 horas de
conflito.
Este episódio acabou por contribuir intensamente para a instituição do AI-5.
Algumas fotos do conflito histórico:
Mackenzie hoje (2009) onde reina paz sem qualquer sinal do que foi em 1968