O METRÔ DA LIGHT

No projeto da Light para o Metrô de São Paulo, de 1927, os trens circulariam sob o viaduto do Chá.


A Light foi uma empresa fundada em 1897 no Canadá, tendo sido autorizada, meses após sua criação, a atuar no Brasil pelo presidente Campos Salles. Em São Paulo, iniciou suas atividades com a construção da Usina Hidrelétrica Parnaíba, concluída em 1901. Posteriormente, em 1899, a Light adquiriu a concessão para produzir e distribuir eletricidade na cidade de São Paulo, onde, em 1901, passou a operar o sistema de bondes elétricos através de uma concessão de 40 anos de duração.

Apesar de a historiografia destacar o caráter eclético da arquitetura dos primeiros anos do Séc. XX, as intervenções urbanas realizadas em São Paulo nesse período produziram uma cidade servida por um sistema de transporte coletivo sobre trilhos através de concessão para a empresa canadense Light desde 1901.

Entre 1900 e 1930, a Light São Paulo realizou inúmeras obras de expansão dos serviços de energia elétrica na capital paulista e em municípios vizinhos, tendo construído a Represa de Guarapiranga [1908] e diversas usinas hidrelétricas próximas. Mais tarde, na década de 1940, a Light São Paulo também foi responsável pela retificação do rio Tietê, rio Pinheiros e pela construção da represa Billings e da usina hidrelétrica Henry Borden, em Cubatão.

Em 1909, em razão de uma presumida concorrência, que atingiria seus privilégios na produção e distribuição de energia, a Light entrou em acordo com a prefeitura, mantendo o monopólio no setor. Nesse momento, teve que aceitar certas modificações no contrato de transportes.

As tarifas, para todo o sistema, foram unificadas e fixadas, teve que passar a emitir passes escolares e colocar em funcionamento carros para operários, com tarifas mais baixas. [...] o esforço para a manutenção do monopólio de energia deu origem à decadência no sistema de transportes.

Na década de 1910, o transporte de passageiros por ônibus foi autorizado pela prefeitura como forma de amenizar os problemas decorrentes da redução dos bondes [dada a escassez de energia elétrica] e da redução na qualidade dos serviços prestados pela empresa. Os ônibus, então, passaram a fazer concorrência direta aos bondes da Light, obrigando-a a tomar medidas que visavam manter seu monopólio sobre os transportes urbanos.A partir de 1924, a Light empreendeu um grande plano de requalificação do sistema de transporte [semi] rápido, o qual possibilitaria à Companhia renovar seu contrato com a Prefeitura. Esse plano, elaborado pelo escritório do engenheiro de tráfego e urbanista canadense Norman Wilson, previa a implantação de um sistema conjunto de bondes, trens de alta velocidade [entenda-se metrô] e ônibus.
Entre 1924 e 1927 a empresa Light, proprietária da rede de bondes, realiza seu Plano Integrado de Transportes. Propõe uma rede de metrô articulada a outros meios (ônibus e bondes) para estender o sistema de transporte coletivo às novas dimensões urbanas. Assim, a sobrevivência dos bondes dependeria da implantação de linhas de metrô, única forma de atender às escalas (volume, extensão e velocidade) de deslocamentos que as novas dimensões da cidade se impunham. [...] O ônibus apresentaria a flexibilidade adequada para circular desde o centro até os bairros periféricos sem infraestrutura viária, dispostos quase que aleatoriamente pelo território. Flexibilidade impossível aos sistemas sobre trilhos.

O projeto da Light foi sendo detalhado ao mesmo tempo em que tramitava o Plano de Avenidas, do prefeito Prestes Maia, o qual estava bastante alinhado aos interesses políticos no fim do monopólio estrangeiro [lembrando que a Light era canadense] e no apoio crescente ao automóvel. Em outras palavras, houve um embate entre um projeto que empreenderia uma mudança na estrutura urbana baseada em transportes sobre trilhos e outro, baseado no desenvolvimento viário e em automóveis.

Por fim, o projeto da Light foi abandonado.
A abertura das primeiras estradas de rodagem por Washington Luiz e o surgimento do culto do automóvel como sinal de modernidade situam-se no mesmo período e contexto das decisões políticas que recusaram o projeto de Metrô da Light e optaram pelo Plano de Avenidas de Prestes Maia. Nessa interpretação, o “rodoviarismo” assume um papel que transcende a forma de organização técnica do território, revelando seu caráter de diretriz econômica e política que disputava a hegemonia no país. Coerente com essa política, o projeto de Prestes Maia propõe a mobilidade baseada nas vias para transporte sobre pneus, a qual viria a se tornar o principal atributo estrutural da expansão da cidade.


(Texto: Arquitetura USP)


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