ADEUS VILA NORMANDA !
Uma das joias arquitetônicas desaparecidas da cidade de São Paulo, foi Vila Normanda, que ficava na Avenida Ipiranga, sendo um pouco mais conhecido o arquiteto que o projetou, Julio de Abreu Junior, formado na Escola de Belas-Artes de Paris - na época, a mais prestigiosa escola de arquitetura do mundo.
Curiosamente, Julio
de Abreu Junior também projetou o primeiro prédio de apartamentos modernista da
cidade, que ainda hoje está de pé, na Avenida Angélica, 172. É por esse último
prédio que Julio de Abreu Junior é lembrado e por vezes exaltado pelos
historiadores da arquitetura brasileira, quase todos eles comprometidos com a
ideologia modernista.
A Vila Normanda foi construída pelo Conde Sílvio Álvares Penteado, em uma rua
particular que inicialmente se estendia da Rua Epitácio Pessoa até a Rua São
Luís, atual Avenida São Luís, entre os terrenos dos atuais edifícios Itália e
Copan.
Foi inaugurada por volta de 1930, e era composta de dois prédios de apartamentos e de um conjunto de quatro pares de casas geminadas. O programa arquitetônico dos prédios de apartamentos era absolutamente inovador, pois os apartamentos não dispunham de cozinha individual - as refeições eram preparadas e servidas numa cozinha e sala comuns. Tal programa, embora freqüente nos flats novaiorquinos do período, demorou até os anos 90 para se disseminar em São Paulo.
Outra inovação do projeto era que a rua interna passava por dentro de um dos prédios de apartamentos, através de uma porte-cochère - solução também adotada em outra vila ainda hoje existente na cidade, a Vila Napolitana, que fica na Rua Vitorino Carmilo.
Julio de Abreu Junior também teve a preocupação
de diferenciar cada fachada das demais, conferindo movimento e diversidade ao
conjunto que tinha em comum o estilo normando unificador. Cada detalhe
arquitetônico, como luminárias e placas, foi cuidadosamente desenhado de forma
a combinar com a atmosfera de cidadezinha medieval da Vila.
A pitoresca Vila parece ter sido particularmente querida e admirada pelos paulistanos e pelos turistas que visitavam a cidade. Prova disso é que aparecia com freqüência em livros de fotografias dos anos 50 sobre a cidade, direcionados principalmente ao mercado estrangeiro, como "Eis São Paulo" de Georg Paulus Waschinski e "São Paulo", de Peter Scheer.
Numa das casas da Vila funcionava também um famoso restaurante francês da época, o "La Popotte", que tinha em sua entrada uma tabuleta de identificação de madeira em estilo medieval. Era porém detestada pelos modernistas, sendo que um dos mais radicais deles, Luís Saia, assim definiu a Vila Normandia em seu livro "Morada Paulista":
"desesperada tentativa para trazer para São Paulo o pitoresco dos recantos franceses visitados anualmente pelos mais aquinhoados representantes do fastígio financeiro regional".
Luís Saia aliás era na época o manda-chuva do Iphan em São Paulo, o único órgão de preservação então existente na cidade, logicamente não havendo dessa entidade nenhum interesse na preservação da Vila, pelo contrário.
Some-se a isso o fato de que nos anos 50 e 60 a área em que se localizava a Vila Normanda se tornou talvez a mais valorizada da cidade, com cada centímetro de terreno sendo disputado ferozmente pelas construtoras, preocupadas somente em construir prédios nas Avenidas Ipiranga e São Luís com máximo aproveitamento do terreno.
Assim, já no início dos anos 50, as duas casas da Vila junto à Avenida São Luís foram demolidas para a construção do prédio de apartamentos que leva o nome de Conde Sílvio Penteado.
Porém, a maior parte do conjunto resistiu até 1960 ou 1961, quando foi demolida para a construção dos edifícios Vila Normanda e Investimento. Esses prédios até que são de boa qualidade em termos arquitetônicos, notando-se que houve uma preocupação em torná-los mais bonitos e interessantes, pois são dotados, por exemplo, de murais do artista plástico Antonio Maluf.
O grande problema desses prédios é o preço que a
cidade teve que pagar para a sua construção, com o sacrifício de um de seus
mais belos e pitorescos conjuntos arquitetônicos.
Somente em meados dos anos 70 é que a cidade finalmente começou a se preocupar com a preservação da arquitetura eclética, que os modernistas ainda insistiam em considerar uma aberração - data dessa época a primeira legislação de proteção a esses bens na cidade, feita não pelo Iphan, mas através da Secretaria Municipal do Planejamento, valendo-se do recurso do zoneamento.
Se a Vila Normanda tivesse resistido mais uns 15
anos, muito provavelmente teria sido preservada até hoje. Hoje em dia, pouca
gente discordaria que se a Vila Normandia ainda existisse, seria uma das mais
importantes referências arquitetônicas e paisagísticas do Centro de São Paulo.
Sua demolição e substituição pelos prédios atuais foi sem dúvida uma das piores
trocas para a cidade, uma perda que será sempre lamentada.
Desenho das fachadas de 2 casas da Vila, feitos por Julio de Abreu Junior |
As fotos a seguir mostram como o Copan e outros Edifícios ocuparam o espaço da Vila Normanda
|
Este é o cenário final sem a Vila Normanda. O único vestígio deixado foi o Edifício de mesmo nome |
Créditos/Agradecimentos: Jorge Rubies, Eli Mendes de Morais, Preserva SP, Mídia:500 Anos da Pintura Brasileira.