Por: KELLY CRISTINA
(Revista JÁ-Diário Popular)
São Paulo assumiu definitivamente na última
semana a maior de suas derrotas, ocorrida há 65 anos. Na quarta-feira,
dia 9 de Julho deste ano de 1997, pela primeira vez na história,
os veteranos da Revolução de 1932 desfilaram no Parque Ibirapuera
num feriado - o feriado de 9 de julho, criado por um decreto assinado pelo
governador Mário Covas em março deste ano. No passado, a data,
que marca a deflagração da mal-sucedida revolta paulista contra
o governo de Getúlio Vargas era apenas ponto facultativo nas repartiçôes
estaduais.
"Foi uma derrota com reflexos que são
sentidos até hoje. São Paulo nunca mais teve a mesma voz nas
grandes decisões do País e seus militares passaram a enfrentar,
desde então, dificuldades para chegar ao generalato", diz o
jornalista e historiador Odair Rodrigues Alves, colaborador da Revista JÁ,
do Jornal paulista "Diário Popular".
No conflito,
que se encerrou em 3 de outubro, morreram 633 paulistas, segundo o livro
"Viagem pela História do Brasil", coordenado por Jorge
Caldeira. Outras dezenas de combatentes ou lideres do movimento foram presas
ou exiladas por ordem do interventor estadual nomeado por Getúlio,
o general Valdomiro Castilho de Lima. Ainda assim, os soldados constitucionalistas
não consideram que seu esforço foi em vão.
"O
País deve a Constituição de 34 à Revolução
de 32. Foi graças aos milhares de paulistas que lutaram bravamente
durante três meses contra 100 mil adversários que a Carta Magna
foi votada", afirma Ary Canavó, de 67 anos, filho do veterano
José Canavó Filho, já falecido, e presidente da Sociedade
Veteranos de 32- M.M.D.C., que hoje conta com 600 sócios, entre veteranos
e descendentes. "Nós merecemos o feriado.
A Revolução de 32 conquistou seus objetivos e não pode
morrer na memória dos brasileiros", reforça o ex-combatente
Herculano Gaby, de 84 anos, que desfilou na última quarta-feira em
um jipe militar.
O ódio a Getúlio Vargas é outro sentimento comum entre
esses ex-combatentes. E compreensível. Depois de ter sido derrotado
pelo paulista e situacionista Júlio Prestes nas "eleições"
presidenciais de 1930, Getúlio liderou um movimento militar que marcou
o fim da chamada República Velha. O também paulista Washington
Luís foi deposto da Presidência e Getúlio assumiu o
poder, deixando Júlio Prestes de escanteio. Iradas com o caudilho
gaúcho, que as havia afastado do centro de decisões políticas,
as elites paulistas aproveitaram a indignação do povo contra
a recusa de Getúlio em convocar uma Constituinte para tentar voltar
ao poder. "O objetivo das elites era derrubar Getúlio, mas a
bandeira da reconstitucionalização do País era uma
causa do povo paulista", comenta Rodrigues Alves.
Para bem ou para mal, Getúlio promoveu reformas profundas que deram
ao Brasil uma cara muito semelhante à que o País tem hoje.
Mas não há argumento nesse sentido que convença os
combatentes de 32. "Getúlio Vargas foi o pior Presidente da
história do Brasil. Ele traiu a pátria e perseguiu São
Paulo por puro capricho e manobra política. Era um gozador que se
intitulou o dono do poder", dispara Herculano Gaby.
Simpática e falante, a veterana Emília Pacheco de Mendonça,
de 84 anos, também não pode ouvir falar no ex-presidente.
Primeira engenheira formada pela prestigiada Escola Politécnica,
ela desempenhou um papel muito importante no movimento de 32, tendo sido
a responsável pela transmissão das ordens do comando paulista
às tropas. "Recebia e transmitia imediatamente aos soldados.
Era um trabalho maravilhoso", conta.
Sua antipatia por Getúlio explodiu em 23 de Maio de 32, quando militares
leais ao Governo federal mataram os estudantes Martins, Miragaia, Dráusio
e Camargo, na Capital. O epsódio deu origem à sigla M.M.D.C.,
um dos símbolos do movimento de 32. "Foi um dos dias mais tristes
da minha vida. Não dava para acreditar que aqueles brutamontes, a
mando do ditador, do "cachorro" Getúlio Vargas, haviam
metralhado jovens. Foi o estopim da revolução, da qual me
orgulho muito de ter participado", diz ela.
Para esses veteranos, mais duro do que a rendição às
forças federais foi suportar a humilhação imposta pelos
vencedores. O veterano Francisco Gimenes Roda Filho, de 79 anos, conta que,
depois do término do movimento, todos os cargos de chefias de departamentos
federais e estaduais passaram a ser ocupados por pessoas trazidas de outros
Estados pelo governo central. Essa e outras retaliações acabaram
reforçando o sentimento separatista, que já existia antes
da Revolução e perdura até hoje entre alguns segmentos
da sociedade paulista. E o caso do próprio Gimenes.
Ele
acredita que São Paulo seria hoje uma terra muito mais rica se tivesse
se separado do País, juntamente com o Rio Grande do Sul, Minas Gerais
e Mato Grosso - que prometeram apoio aos paulistas e depois voltaram atrás.
"Se São Paulo é hoje o Estado mais desenvolvido da nação
isso se deve ao trabalho do povo paulista. E não tenho dúvidas
que o Brasil do Sul seria um país de Primeiro Mundo".
Com seis medalhas no peito, Gimenes afirma que não hesitaria
em pegar nas armas para defender o Estado novamente se São Paulo
passasse por uma situação semelhante à ocorrida em
32. "Se eles me aceitassem, não tenho dúvidas de que
me apresentaria como voluntário", afirma. Certamente, não
seria o único dos ex-combatentes a tomar essa decisão. "Eu
amo minha pátria. Se preciso, faria tudo por ela novamente",
garante Herculano Gaby, funcionário aposentado pela Prefeitura da
Capital.
(Artigo "Pátria amada São
Paulo" de Kelly Cristina publicado na Revista JÁ nº
36 (Diário Popular) de 13 de julho de 1997, gentilmente cedida
para esta Home Page, pelo seu Editor Dario
Palhares
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