PROFESSORA PARDAL

A dentista Therezinha  Zorovich ganhou fama e dinheiro ao inventar o lavador de arroz

A criadora e duas de suas obras: fim do desperdício de arroz e de brigas com o rodo (no destaque superior)

Em 1958, Therezinha Beatriz Alves de Andrade Zorovich, de 25 anos, vivia com seu marido, o engenheiro Solon Zorovich, na então bucólica alameda Franca, Jardim Paulista, Zona Sul da Capital. Dentista recém-formada, ela adorava clinicar, mas também se dedicava aos bordados e à culinária, tarefas em que era auxiliada por Lenilda, empregada quase perfeita, quase, não fosse pelo hábito de deixar cair no ralo da pia incontáveis grãos de arroz, por mais que a patroa implorasse para que ela os lavasse numa peneira. Certo dia, quando o desperdício se consumou pela enésima vez, a dentista parou para matutar uma solução. "De repente, surgiu na minha mente a figura de um pote em formato de "V", com uma das extremidades furada, como uma peneira. Corri para a garagem e, com papel laminado, moldei a engenhoca." Nascia o lavador de arroz, que você e milhões de pes­soas usam na cozinha

 

Animada, Therezinha chamou o marido para testar sua obra: um sucesso. No dia seguinte, pela manhã, o casal já registrava o invento numa firma de marcas e patentes, obtendo o direito provisório de comercialização e, em 1963, a patente. "Ao consultar nossas finanças, porém, descobri que não havia capital para fabricá-lo", lembra a dentista, que dias depois teria nova decepção ao ver seu projeto recusado pela indústria Atma. Um ano mais tarde, quando quase se esquecera do lavador, ela fez ainda uma última tentativa e mostrou o objeto a Eduardo Rossi, primo de sua mãe e secretário da poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Foi tiro e queda. Na mesma semana, o lavador, ainda sob a forma de protótipo em papel laminado,chegava aos projetistas das indústrias Trol, então controlada pela família do ex-ministro Dilson Funaro. "Eles ficaram entusiasmados. Fechamos um contrato de cinco anos e passei a receber 2,5% sobre as vendas às lojas", conta ela. Em 1961, a empresa passou a fabricar milhares de peças já com a cara que as conhecemos hoje, em matéria plástica.

 

Nos magazines do Centro de São Paulo, donas de casa faziam fila para adquirir o revolucionário apetrecho.

Para completar, naquele ano o invento de Therezinha ganhou o título de item mais vendido da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) e estourou na feira de Utilidades Domésticas, a UD. Resultado: sua criadora tinha de dividir o tempo entre as bocas de sua clientela e a fama meteórica: "Não me lembro de quantas peças foram vendidas, mas ele virou uma febre. A Imprensa não me dava sossego e, de repente, a cidade toda sabia que o tal lavador de arroz tinha sido inventado por uma dentista", conta ela, que até passou a presentear amigos e parentes com o produto. Em 1964, a peça em plástico já era item obrigatório nos lares brasileiros, fato que  possibilitou à dentista renegociar seu contrato com a Trol em bases mais vantajosas: 8% sobre as vendas.

Therezinha que teve direito de exclusividade nas vendas até 1978, não sabe quantificar o montante de dinheiro que recebeu por ter criado o lavador. O certo é que ele foi determinante para a compra de sua luxuosa casa no bairro do Sumaré.

 

A "Professora Pardal" nunca pensou em trocar o consultório pelo ofício de inventora, mas não perdeu o hábito de bolar soluções para problemas do dia-a-dia doméstico, especialmente quando está a bordo de um táxi ou ao volante de seu carro. "Só descanso quando resolvo", afirma.

Em 1970, por exemplo, hospedada numa pousada no Litoral, em companhia do marido e dos cinco filhos, sentiu-se incomodada com os beliches. "Dormir sob outro corpo era insuportável. Assim que voltei para São Paulo tratei de projetar um beliche com módulos móveis, inédito na época."Nesse  caso específico, Therezinha abriu mão da maternidade do invento por não ter tido paciência para correr atrás do pedido de patente. Algo parecido aconteceu dois anos depois, quando ela garante ter criado as grades que são fixadas em portas para impedir que bebês passem de um cômodo a outro: "Cheguei a pedir a patente, mas não voltei para renovar o pedido."

 

Orgulhosa de sua trajetória, Therezinha, que aos 78 anos ainda atende em seu consultório, na rua Augusta, ri como menina ao se lembrar de outros inventos, como a faca-chave de fenda, que ganhou extremidade achatada depois de passar por uma das brocas usadas pela dentista em seu consultório. A inventora só fecha o semblante quando o assunto são as escovas de dente com cerdas diagonais. Segundo ela, o produto é uma idéia sua, de 1975, copiada pela Johnson & Johnson. A empresa americana nega.

Refeito o sorriso, Therezinha mostrava criatividade  que tinha ainda (1998) de sobra ao exibir uma de suas invenções mais recentes: um rodo que traz uma lixa acoplada. A vantagem do produto, segundo ela, é que o pano de chão não se solta com o uso. "Se eu o colocasse na praça, faria sucesso", aposta.

Se o nosso arroz de cada dia é deliciosamente soltinho, ainda que não tenhamos mais esse ícone da cozinha brasileira em nossos armários, devemos a ela o mérito de ter reduzido a um só acessório doméstico, o processo lavar-escorrer-secar o arroz. O escorredor de Dona Therezinha ensinou a nós o segredo do arroz soltinho.

Dona Therezinha Beatriz Alves de Andrade Zorowich, que inventou o escorredor de arroz em 1958, continua residindo em São Paulo, desenvolvendo ativamente o seu ofício de dentista.

Créditos/Agradecimentos:José Antonio Leite, Revista JÁ 24/05/1998 e Revista Vida Simples/janeiro2010

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