Histórias de São Paulo

Um sábado trágico !

(Por  ODAIR RODRIGUES ALVES - Revista JÁ nº 26 de 04 de Maio de 1997)

Sábado, 23 de julho de 1932. A Revolução Constitucionalista chegava ao seu 14º dia quando, no início da tarde, surgiram no horizonte da Capital alguns "vermelhinhos",como eram conhecidos os rústicos aviões do Governo Federal. Alguns deles mergulharam em direção ao Campo de Marte e despejaram bombas,uma delas acabou explodindo a poucos metros do Clube Espéria, que estava lotado. O ataque não provocou vítimas fatais, mas instalou o pânico entre a população, que, no mesmo dia, ficou ainda mais atordoada com outras duas tragédias: o suicídio de Santos Dumont, no Guarujá, e a morte do comandante da Força Pública Paulista, o coronel Marcondes Salgado.

Às 13 horas daquele sábado fatídico, o governador Pedro de Toledo foi avisado por oficiais de sua Casa Militar que uma esquadrilha inimiga se aproximava da Capital com a finalidade de bombardeá-la. Os objetivos, além do Campo de Marte, seriam os quartéis, campos de aviação, pontos de concentração de tropas e o Palácio dos Campos Elíseos, sede do governo paulista.

Dito e feito: os aviões surgiram meia hora depois, voando a grande altura, e começaram a fazer evoluções sobre a cidade. As ruas estavam tomadas pelo povo, que pretendia assistir à entrega de bandeiras aos batalhões que se preparavam para marchar para a linha de frente. O medo tomou conta dos paulistanos, que ainda traziam vivas na memória as lembranças da Revolução de 24, quando o então presidente, Artur Bernardes, mandou bombardear a cidade em represália a uma revolta militar.

As metralhadoras antiaéreas, assestadas nos edifícios mais altos e no Campo de Marte, entraram em ação. Segundo Menotti Del Picchia, em "A Revolução Paulista", Pedro de Toledo saiu até os jardins do palácio, acompanhado por alguns amigos e assessores. Os aviôes mergulharam várias vezes sobre os Campos Elíseos, mas sempre arremetiam, sem despejar bombas, para fugir ao fogo das metralhadoras. Os aviões inimigos acabaram indo embora, mas nem por isso a população suspirou aliviada. Ao contrário.

Pela manhã as forças paulistas já haviam sofrido um duro golpe com a morte do coronel Júlio Marcondes Salgado, comandante da Força Pública, em um acidente na Zona Sul da cidade. A tragédia ocorreu as 10h40, em Santo Amaro, para onde se dirigiam Marcondes Salgado e outros oficiais entre eles o general Bertoldo Klinger, de Mato Grosso, e os tenentes Saraiva e Pedro Celestino Filho -, a fim de assistir a experiências de um novo tipo de morteiro.

Os primeiros testes foram realizados com êxito. Numa segunda bateria, contudo, uma das granadas, em vez de ser projetada para fora do tubo, explodiu dentro dele. Estilhaços voaram para todos os lados e um deles atingiu o coronel Marcondes Salgado no pescoço, cortando-lhe a carótida. O militar teve morte instantânea. Para o seu posto foi chamado, do front, o tenente coronel Herculano de Carvalho e Silva.

Outras pessoas foram atingidas, inclusive o próprio general Klinger, que recebeu um estilhaço no braço. Também foram feridos o major José Marcelino da Fonseca, criador do novo tipo de bomba, o tenente-coronel Salvador Moya, o tenente Saraiva e um civil, o político Wladimir de Toledo Piza, que na década de 50 seria prefeito da Capital (período de l4 de abril de l956 a 7 de abril de 1957).

Suicídio - À tarde, depois do bombardeio, nova tragédia: o suicídio de Santos Dumont. Seu dia de glória já ia longe - 23 de outubro de 1906, quando, no Campo de Bagatelle, em Paris,conseguiu levantar vôo com o "14-Bis". Os aborrecimentos do grande inventor começaram em 1909, quando se começou a estudar a utilizaçao do seu invento para fins militares. O sofrimento aumentou com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, na qual o avião foi usado para matar seres humanos.

Com sérios problemas neurológicos, Santos Dumont começou a viajar pela Europa, à procura de estações climáticas onde encontrasse repouso para seu espírito atormentado. Ao retornar de uma dessas viagens, em dezembro de 1928, uma tragédia no Rio de Janeiro deixou-o ainda mais amargo. Para recepcioná-lo, os cariocas organizaram uma grande festa, com vários aviões sobrevoando a baía de Guanabara. Quando o navio alemão em que se encontrava, o Cap Arcona, se aproximou da barra, um hidroavião que fora batizado com o seu nome e levava a bordo uma comissão para recepcioná-lo caiu no mar, matando todos os seus ocupantes. Santos Dumont passou, então, a considerar que seu invento fora um mal para a humanidade.

O desespero do inventor chegou ao limite na Revolução Constitucionalista de 1932, quando o Governo Federal utilizou aviões militares para bombardear os paulistas revoltosos. Ele já se encontrava havia dois meses no Guarujá, muito deprimido e com a saúde abalada. No litoral, Santos Dumont via aviões e hidroaviões sobrevoàndo o território paulista. Sentindo-se culpado pela existência daqueles aparelhos da morte, ele recebeu o último grande golpe no dia 23 de julho de 1932: viu do Hotel La Plage, onde estava hospedado, aviões dirigindo-se a Santos para atacar um cruzador leve que se encontrava no Porto de Santos. Foi a gota d'água. Dirigiu-se ao banheiro e, usando uma gravata e uma trave, enforcou-se. Três dias antes havia completado 59 anos.

Ao saber da morte de Santos Dumont, o governador Pedro de Toledo deu-lhe um funeral de chefe de Estado. Seu corpo foi transportado para a Capital, embalsamado no Hospital Santa Catarina ficando em câmara ardente na residência de sua tia Virgínia Dumont Villares, na avenida Tiradentes, 105, de onde saiu na segunda-feira, 25 de julho, para ser depositado numa cripta na Catedral. Posteriormente, foi levado à Capital Federal, para ser enterrado no jazigo da família.

O presidente Getúlio Vargas decretou luto oficial por três dias. Só que seu decreto 21.6681/32 não mencionava o nome do "Pai da Aviação": "O Chefe do Governo Provisório dos Estados Unidos do Brasil, considerando que a perpetuação da memória daqueles que se fizeram merecedores perante a Pátria é um dever que deve ser cumprido pelo povo, como por aqueles que o governam, decreta luto nacional por três dias a contar de hoje, sendo feitas as necessárias comunicações, por telegramas, aos Interventores Federais em todos os Estados da União."


(Agradecimentos a Dario Palhares, Editor da Revista JÁ, do Diário Popular, pela gentileza em permitir a transcrição deste artigo nesta Home Page)


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