Um astroblema na periferia de São Paulo…

Num vale formado há milhões de anos com a queda de um meteoro em Parelheiros, convivem cientistas e famílias em situação irregular, um entorno de um Centro de Detenção Provisória, várias riquezas ambientais e certamente grande patrimônio geológico.

A localização urbana da cratera de Colônia no Bairro de Vargem Grande no distrito de Parelheiros

Não se sabe ao certo se foi um meteoro ou um cometa, mas para os paulistanos o relevante é que o fenômeno abriu uma cratera de 3,6 quilômetros de diâmetro que, não fosse o desconhecimento da população e o desprezo do poder público, teria sido uma importante fonte de pesquisa, ecoturismo, e de melhorias para a população que lá se estabeleceu. A cratera está localizada na região de Parelheiros, mais precisamente ao lado de Colônia, uma vila de alemães e no topo da serra do mar, para quem observa de Itanhaem e São Vicente.

Quem quer conhecê-la enfrenta no mínimo uma hora e meia de viagem a partir do Centro da Capital (Praça da Sé), com uma distância de aproximadamente 40km ao sul. Mas, se a expectativa for encontrar uma cratera igual às de alguns filmes a decepção é certa. No local, ergue-se o bairro de Vargem Grande, formado a partir de uma ocupação irregular e com uma população em torno de 60 mil pessoas.

A cratera possui formato praticamente circular, bem destacado no relevo da região e apresenta diâmetro de 3.640 metros, com elevações que compõem a borda circundante entre 150 a 250 metros acima da planície central. Ela está situada a cerca de 755 metros de altitude, mostrando características de pântano, uma vez que a drenagem, em tempos passados, era para o interior da mesma, com acúmulo de água e matéria orgânica acabaram formando a sedimentação existente aos dias atuais

Mesmo dos pontos mais altos, é possível ver os contornos, mas é na vista aérea, onde se percebe melhor o aspecto de cratera.

Ocupação da cratera de colônia a partir dos anos 90. É possível ver o entorno elevado que restou do grande evento ocorrido há milhões de anos.

Foi só em 1961 que a depressão entre os distritos de Parelheiros e Engenheiro Marsilac, extremo sul da capital paulista foi descoberta. Até então, a Cratera de Colônia escondia-se na chácara do alemão João Rinsberg. Seu único habitante era um índio proscrito pelos krucutus, uma das duas aldeias guaranis que residem em Parelheiros.

Em 1987, Rinsberg vendeu a chácara à União das Favelas do Grajaú (Unifag). Neste momento três mil famílias vindas de bairros e favelas da região sul de São Paulo compraram lotes de 250 metros quadrados para erguer sobrados na várzea. No início da ocupação o proscrito índio de desapareceu e começou-se então a colonização de grande parte da cratera.

Além disto, no governo de Orestes Quércia, um CDP (Centro de Detenção Provisória), foi instalado no local para desespero da população e de cientistas que estudavam o local. A ocupação irregular não foi o primeiro problema do astroblema, e sim este Centro de Detenção Provisória, que abriga mais de 1000 presos. Este presídio devastou enorme área na cratera, hoje uma faixa de mil metros quadrados de terra vermelha e escura, que jamais viu nascer árvore. Esta terra nomeia o principal rio local, o Ribeirão Vermelho, que por muito anos recebeu os dejetos da prisão sem tratamento. Vargem Grande, só veio a ganhar saneamento em 2015.

A geomorfologia da cratera paulistana

Os estudos geofísicos iniciais em Colônia foram realizados por R. Kollert, A. Björnberg e A. Davino em 1961, que consideraram a cratera como testemunho de colisão (cratera de impacto).

A partir desse trabalho pioneiro, outros levantamentos constataram a presença de um preenchimento sedimentar com mais de 400 m de espessura, um pouco ao sul do centro da cratera, onde localiza-se o ponto de maior profundidade. O principal interesse geológico é que esses sedimentos guardam o registro das transformações ambientais ocorridas desde a sua formação.

Por exemplo, os geólogos acreditam que há 18 mil anos a cratera já foi um lago.

Com relação à provável época de origem, os dados não são conclusivos, estima-se uma idade entre 5,2 e 36,4 milhões de anos o que situaria sua formação entre os períodos Pleistoceno (do Quaternário) e Oligoceno (do Terciário).

Os levantamentos geomorfológicos mais aprofundados e datações de 14C posteriormente apontam para uma idade entre o Pleistoceno (Quaternário) e o Mioceno (Terciário), ou seja, entre 5 e 35 milhões de anos.

A Cratera de Colônia é tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) e está localizada dentro da Área de Preservação Ambiental (APA) Capivari-Monos, referência no nome aos dois rios localizados no extremo sul de São Paulo.

Criada em 2001, pela Lei Municipal 13.136, a APA Capivari-Monos compreende 251 km², dos quais fazem parte o Parque Estadual da Serra do Mar, duas aldeias indígenas guaranis (Krukutu e Tenondé Porã) e parte das bacias hidrográficas das represas Guarapiranga e Billings, entre outros. Na região, há muitas espécies da flora e da fauna em extinção, e um rio limpo, o Capivari.

Ainda neste ano um grupo de alunos e professores, chegou ao local em 2001 e iniciou as pesquisas entre eles Victor Velásquez, geólogo e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP. Além das próprias pesquisas de caráter geológico o trabalho incluiu também a conscientização da população sobre a importância de preservar o lugar, tanto que o fato de o governo ter criado uma região de proteção ambiental impede, por exemplo, a exploração turística das inúmeras áreas locais.

São conhecidas cerca de 160 estruturas do tipo no mundo, entre crateras de impacto comprovadas, prováveis e outras em processo de pesquisa. A maior parte situa-se no hemisfério norte do planeta, uma vez que lá há mais extensões de terras do que de águas, e os aspectos geológicos dos continentes são muito mais conhecidos que os do hemisfério sul. Lá, também, há uma predominância delas nos climas temperados e frios porque o intemperismo e a erosão atuam em menor taxa.

Em nosso hemisfério as crateras de um modo geral são mais escassas, principalmente na região intertropical. O maior número delas situa-se no sul da África, na Austrália e no interior da Argentina, áreas onde a predominante corrente atmosférica descendente inibe a formação de nuvens e a consequente precipitação de chuvas, favorecendo a preservação.

Da mesma forma, acreditava-se que a Antártida deve ser outro provável sítio de crateras preservadas. Assim, crateras preenchidas em ambientes de clima úmido são raras, um importante aspecto da Cratera de Colônia.

Geologicamente falando, a cratera situa-se em uma área de terreno cristalino bastante antigo, datado do Proterozóico (última metade do Pré-Cambriano), onde encontramos rochas como gnaisses, migmatitos, dioritos, micaxistos, quartzitos, granitos, granodioritos, etc. Parte delas está coberta por sedimentos da Bacia de São Paulo, que se encontram atualmente erodidos, mas com alguns testemunhos nas bordas sul e sudeste. O relevo regional caracteriza-se pela presença de morros suavizados e espigões relativamente baixos, com drenagem regional em direção ao Rio Tietê. Na borda leste da cratera há uma saída em direção à Represa Billings. A proximidade em relação à Serra do Mar permitiu que boa parte do entorno apresente cobertura de floresta úmida (mata atlântica) com alto índice pluviométrico anual.



Os trabalhos mais recentes na cratera datam do início da década de 1990, todos de natureza geofísica. Em 1990, W. C. B. Masero e S. L. Fontes, por meio de um levantamento magnético, obtiveram um perfil que mostra claramente o formato em calota do fundo da cratera. U. S. Motta e J. M. Flexor, em 1991, por meio de um levantamento gravimétrico, demonstraram a assimetria do fundo da cratera, muito semelhante à da famosa Cratera do Arizona (EUA). Em 1992, F.A.P.S. Neves e M. Assumpção, por processos sísmicos, constataram a forma em calota do fundo e atribuíram uma idade máxima oligocênica para a cratera.

Em síntese, os dados atuais convergem para um impacto como origem para a cratera, mas os pesquisadores somente aceitarão isto como um fato, quando forem localizados restos do corpo celeste (fragmentos meteoríticos) ou encontrarem rochas que exibam claramente estruturas de metamorfismo de impacto.

A região é muito pobre e carente de inúmeros serviços, a há luta constante para transformação e proteção de toda a área e cientistas visitam com frequência o local. No mundo só existe mais cratera semelhante habitada: a cidade medieval de Ries, na Alemanha. Diferente de Vargem Grande, onde falta tudo, este local da Alemanha tem toda infraestrutura que sobrevive da renda gerada pelo turismo. Esse é o sonho de muitos habitantes de Vargem Grande, comunidade surgida, por coincidência, ao lado de uma vila alemã – o bairro de Colônia, que ocupa a maior parte da cratera. Com isto a ocorrência da cratera de Colônia motivou um esforço de intercâmbio com Nordlingen na Alemanha onde está a Cratera de Ries.



Bibliografia/Fontes/Links relacionados:

Updated: 09/01/2019 — 1:31 pm

5 Comments

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  1. Muito legal esse trabalho, eu conheço essa região toda e nunca soube que tinha uma cratera lá…também é um dos caminhos para Embu Guaçu passando por um lugar chamado Cipó, e de Embu tem estradas para Santo Amaro, Itapecirica da Serra, ou BR116…interessante,
    abs

  2. Vera Lucia Garcia

    Muito interessante! E pouca gente deve conhecer essa história.

  3. Caro Amaral, muito interessante!
    Abs, Alan

  4. Eliana A. Souza

    O nosso país é carente de pesquisa, estudos e ciência.

  5. Grande diferença da Cratera alemã. É nisto também um 7 X 1..

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