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1897, um atentado ao presidente…

Três cidades, inúmeros logradouros, inúmeras edificações e instituições possuem o nome de Prudente de Morais. As três cidades Presidente Prudente (SP) Prudentópolis (PR) e Prudente de Morais (MG), ostentam em suas denominações uma figura pública do passado cercada por muitos acontecimentos que deixaram marcas históricas na política brasileira.

Entre tantos acontecimentos um certamente deixou marcas ruins, pois ao final do século 19, mais precisamente em 5 de novembro de 1897, um soldado de nome Marcelino Bispo de Mello tentou matar a tiros o Presidente Prudente de Morais, o primeiro presidente civil da história republicana, também o primeiro paulista a ocupar este cargo e o primeiro a fazê-lo por força de eleição direta.

Sabemos já de muito tempo que atentados a presidentes não são comuns por aqui, mas ocorrências históricas mostram algo até frequente nos Estados Unidos. Se os americanos contabilizam uma série de crimes dessa natureza, incluindo três vítimas fatais, como Abraham Lincoln, em 1865, William McKinley, em 1901 e John Fitzgerald Kennedy, em 1963, em nosso País há registro de um único incidente, envolvendo o primeiro ci­vil a ocupar o cargo, Prudente José de Morais Barros, que exerceu o poder de 1894 a 1898.

Se os três presidentes norte-americanos tombaram assassinados, há exatos 120 anos, Prudente de Morais escapou ileso de um atentado no Rio de Janeiro, mas seu ministro da Guerra, o marechal Carlos Machado Bittencourt, como escudeiro, acabou sendo morto ao defender o chefe do Governo. O episódio serviu para recuperar a simpatia da população pelo governo de Prudente de Morais, que andava muito em baixo, por uma série de complicações políticas e econômicas na época.

O gran­de responsável pelo feito foi o soldado Marcelino Bispo de Mello, que por duas vezes apertou o gatilho de uma garru­cha e, depois, apunhalou o ministro da Guerra.

Prudente de Morais assumiu o governo, em 15 de novembro de 1894, na condição de primeiro presidente a che­gar ao poder pelo voto popular, embora as eleições, na época, não fossem exatamente limpas. Ficou na Presidência até 15 de novembro de 1898, mas seu mandato foi muito tumultuado. A oposição tentou o tempo inteiro derrubá-lo. Sua última cartada foi o alentado, cometido em 5 de no­vembro de 1897.

Era dia de festa. A tropa militar que fora enviada ao arraial de Ca­nudos, na Bahia, tinha aniquilado Antônio Conselheiro e seus segui­dores. Chegaram, então, vitoriosos ao Rio de Janeiro, na época capital da República. No Arsenal de Guer­ra, autoridades e uma multidão aguardavam os soldados, que che­gariam no navio Espírito Santo.

Por volta das 13 horas, Pruden­te de Morais entrou no Arsenal, acompanhado de sua comitiva.

O cli­ma pareceu-lhe pesado. Mesmo as­sim, seguiu em direção ao barco, onde cumprimentou os soldados. Quando retornou à terra, insultos foram desferidos contra ele. Indiferente a todos, Pruden­te de Morais prosseguiu. Ouviu-se, então: “Viva Floriano Peixoto. Viva Manuel Vitorino (vice de Pru­dente)”. Era a senha esperada.

Atentado contra a vida do Presidente Prudente de Morais. No detalhe, o então Coronel Mendes de Morais, chefe da Casa Militar, é ferido.

Do meio da multidão, surgiu um soldado fardado da 3a Companhia do 10° Batalhão do Corpo de Saú­de do Exército. Era Marcelino Bis­po de Mello, que empunhava uma garrucha na mão e investiu contra o Presidente. O soldado, um fanático admirador do ditador Floriano Pei­xoto, antecessor de Prudente na Pre­sidência, disparou um tiro contra o chefe do País, mas não acertou. Na segunda tentativa, a arma falhou. Frio, Prudente de Morais afastou a arma do soldado com a sua cartola. Imediatamente, membros da comi­tiva, entre eles o ministro Machado Bittencourt e o coronel Luiz Mendes de Moraes saltaram sobre o sol­dado.

Pagaram caro pela valentia. Armado de um punhal, que nin­guém havia percebido, Marcelino cravou a arma por duas vezes no peito de Machado Bittencourt, que caiu e morreu 10 minutos depois. O coronel Mendes de Moraes também foi ferido, mas salvou-se. Enquan­to outros soldados prendiam o as­sassino, Prudente de Morais foi levado embora. Mais tarde, diri­giu um manifesto ao País repudi­ando o acontecimento.

Conspiração:

Prudente de Morais representava a ascensão da oligarquia cafeicultora e dos políticos civis ao poder nacional, após um período de domínio do poder executivo por parte dos militares, no qual essa oligarquia mantinha-se dominando apenas o poder Legislativo. Era então a primeira república e não eram pou­cos os inimigos de Prudente de Mo­rais, nem os problemas enfrentados pelo seu governo. A situação eco­nômica era das mais graves. Rui Barbosa, como ministro da Fazen­da, permitiu aos bancos particula­res emitir moeda. Teve início um ciclo que ficou conhecido como “Encilhamento”.

Com as emissões descontroladas, surgiram centenas de empresas, muitas delas fantas­mas, criando uma especulação fi­nanceira desenfreada. De quebra, a inflação explodiu.

Para evitar a perda de poder aquisitivo da população, Prudente de Morais tentou consolidar todas as dívidas externas em uma única, com vencimento a longo prazo. Desistiu, pois para isso teria de pa­gar altos juros, comprometendo a renda das exportações. Estas, por sua vez, foram prejudicadas pela su­perprodução do café, que resultou numa queda do preço internacional do produto, principal item da pauta de exportações do País.

Para contornar o problema, o Presidente re­solveu elevar as alíquotas de im­portação, o que contribuiu para aumentar ainda mais o custo de vida, já que a maioria dos produ­tos de uso comum vinham do Exte­rior. Era um beco sem saída.

Como se não bastassem os pro­blemas na área econômica, Pruden­te de Morais ainda teve de enfren­tar a Campanha de Canudos. No sertão da Bahia, Antônio Conse­lheiro e seus seguidores resistiram à intervenção federal e derrotaram três expedições militares. A vitória do Governo veio na quarta tentati­va, mas o conflito custou populari­dade ao Presidente da República.

Nesse período. Prudente de Morais caiu doente. O vice-presidente, Manuel Vitorino assumiu o poder. Quando se recuperou. Prudente voltou à Presidência, para a insa­tisfação de seus opositores.

A conspiração para a derrubada de Prudente de Morais começou oito meses antes do atentado e tinha como um de seus principais líderes Deocleciano Mártir, dono do jornal “O Jacobino”.

As reuniões eram re­alizadas, inicialmente, no Clube Mi­litar, núcleo de florianistas (o Marechal que assumiu após a renúncia de Marechal Deodoro) e adep­tos da ditadura republicana. Além de Deocleciano, participavam o pró­prio vice de Prudente de Morais, Manuel Vitorino Pereira, o senador João Cordeiro, o deputado e general Francisco Glicério, os ca­pitães Marcus Curius Mariano de Campos, Umbelino Pacheco e José de Souza Veloso, entre outros. Do Clube Militar, as reuniões passaram a acontecer na farmácia de Pache­co, na rua da Alfândega, 253.

O primeiro plano para eliminar Prudente foi elaborado por Pache­co e rechaçado pelos demais conspiradores. Pacheco sabia que Prudente de Morais tinha o hábi­to de ir à janela do Palácio do Catete, sede do Governo Federal, todas as manhãs. Propôs, então, que, de um morro próximo, al­guém o esperasse com uma arma de grande precisão e atirasse.

Os conspiradores resolveram, então, recorrer a um militar para exe­cutar a missão. O escolhido foi o sol­dado Marcelino, que chegara havia pouco tempo ao Rio de Janeiro, pro­cedente de Alagoas, e era fanático pelo Exército e pelo marechal Floriano.

Segundo Presidente da Repú­blica, Floriano morrera poucos me­ses depois de passar o cargo, mas deixou uma legião de seguidores que defendiam o regime militar como melhor sistema de gover­no para o País. Marcelino era um deles e não foi difícil a Deocleciano convencê-lo a atentar contra a vida do presidente civil. “Com a morte de Prudente, você será o sucessor de Floriano, que tam­bém foi um simples soldado”, dis­se o jornalista ao soldado.

O atentado deveria ocorrer no dia 7 de setembro, quando Pruden­te de Morais iria à festa em come­moração ao Dia da Independência, na praça da República. No dia marcado, Deocleciano embebedou Marcelino com vinho do Por­to e carregou para ele um “mosquetão” Mannclicher, na redação de “O Jacobino”.

Ao chegar à pra­ça e avistar Prudente de Morais, acompanhado do general Cantuário, o soldado desistiu. Primei­ro, por se tratar de uma festa na­cional; segundo, por respeitar o general, que já o ajudara.

Uma nova data foi marcada, 5 de novembro. Na manhã daquele dia, mais uma vez na redação do jornal, Deocleciano mandou que José de Souza Veloso entregasse a garrucha a Marcelino, que já deveria estar no Arsenal de Guerra. Ve­loso tinha comprado a arma, havia três meses. Tinha pa­go 100 mil-réis, que lhe foram entregues pelo deputado Irineu Machado. Por volta das 6 horas, Veloso foi ao arsenal, entregou a garrucha e um punhal a Marceli­no. Ficou na expectativa, mas aca­bou se decepcionando, assim como os demais florianistas.

 

Indiciados:

Com o fracasso do atentado, os conspiradores co­meçaram a cair nas mãos da Polí­cia. Em 10 de janeiro de 1898, o delegado Vicente Neiva indiciou, além de Marcelino Bispo de Mello, Deocleciano Mártir, José Rodrigues Cabral Nóia, os capitães Manuel Francisco Moreira, Servílio José Gonçalves, Marcus Curius Mariano de Campos, Umbelino Pacheco, Rodolfo Lopes da Cruz e José de Souza Veloso, o major Jerônimo Teixeira França, o tenente-coronel An­tônio Evaristo da Rocha, o vice-presidente Manuel Vitorino Perei­ra, o senador João Cordeiro, o de­putado e general Francisco Glicério, o deputado Irineu Machado, Fortunato Campos de Medeiros, Joaquim Augusto Freire, Alexan­dre João Barbosa Lima, Torquato Moreira e Alcindo Guanabara.

No processo, todos tiveram di­reito a defesa. Os congressistas, em função da imunidade parlamentar, só puderam ser processados medi­ante licenças especiais da Câmara e do Senado. (pois é, vem desde lá).

Alguns dos conspiradores considerados de alta periculosidade foram exilados, por decre­to do Presidente da República, para a ilha de Fernando de Noronha, em 21 de janeiro de 1898. Ironicamen­te, Rui Barbosa, que era o ministro da Fazenda do Governo Prudente de Morais, apresentou um habeas corpus em favor dos exilados em 16 de abril de 1898 e então eles acabaram sendo libertados.

Em 15 de agosto de 1898, to­dos os envolvidos foram absolvi­dos por falta de provas, menos o jornalista Deocleciano Mártir. Rui Barbosa, que não aceitara o con­vite da família de Machado Bit­tencourt para acusar Francisco Glicério e Manuel Vitorino, aplaudiu a decisão do júri.

Mesmo tendo sido condenado, Deocleciano acabou se livrando da Justiça. No dia 15 de novembro de 1903, o então Presidente Rodrigues Alves assistia a um desfile militar no Quartel-General, quando a mãe de Deocleciano pediu o perdão para o filho.

Este então concedeu-lhe um indulto. Já Marcelino não teve a mesma sor­te. Logo depois de aberto o inquéri­to, o soldado foi encontrado morto em sua cela. Seus carcereiros afirma­ram que ele havia demonstrado si­nais de perturbação mental e se en­forcara com os lençóis.

 

Sempre no poder:

Prudente José de Morais Barros nasceu em um sítio perto de Itu, no inte­rior de São Paulo, em 4 de outubro de 1841. Era filho de José Marcelino de Barros, agricultor e tropeiro, e de Catarina Maria de Morais. Estudou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco e, apesar de não ter sido um aluno brilhante, fez bons relacionamentos.

Sua vida pública começou em Piracicaba, em 1865, quando se elegeu vereador. Logo depois, já era Presidente da Câmara. Dois anos depois, em 1867, foi eleito para a legislatura da Assembléia Provincial, o equi­valente, hoje, à Assembléia Legislativa. Em 1873, filiou-se ao Partido Republicano Paulista (PRP), fundado por fazendeiros paulistas na fa­mosa Convenção de Itu. Em 1877, Prudente de Morais foi eleito deputa­do para a Assembléia Provincial de São Paulo, mas não conseguiu se reeleger em 1886.Tres anos depois, veio a Proclamação da República. Para governar São Paulo, foi designado um triunvirato formado por Prudente de Morais, Francisco Rangel Pestana e o tenente-coronel Joa­quim de Souza Mursa. Mais tarde, o triunvirato foi extinto e Prudente nomeado presidente do Estado.

Em 18 de outubro de 1890, Prudente Morais deixou o Governo paulista e assumiu uma cadeira na Assembléia Constituinte da Re­pública.

Na disputa pela sucessão de Floriano Peixoto, que chegara à presidência devido ao golpe de 23 de novembro de 1891, candidatou-se pelo Partido Republicano Federal (PRF), fundado pelo paulista Francisco Glicério em 1893. Venceu as eleições presidenciais de 1º de março de 1894 e tomou posse no dia 15 de novembro daquele ano tornando-se então o terceiro Presidente da República, sendo o primeiro a chegar ao cargo pelo voto popular. Após o atentado, Prudente retomou a for­ça política, fechou o Clube Militar e, assim, conseguiu terminar o último ano de seu governo. Morreu pouco tempo depois, em Piraci­caba, em 3 de dezembro de 1902, deixando um legado de realizações, tanto no plano interno, como externo, apesar de um cenário conturbado de conflitos. Este legado lhe rendeu homenagens e seu nome figura em vários locais do país.


Bibliografia/Fontes:

  • Wiki Prudente de Morais
  • Freire, Américo – Entre a Insurreição e a Institucionalização, URFJ – Rio, 2000.
  • Maia, Carlos Alberto Gonçalves – A evolução política do Brasil no período republicano até 1946, Escola de Comando e Estado Maior do Exército – Rio, 1979.
  • Neto, Cecílio Elias e Romanelli, Tais – Prudente de Morais: vida, paixão e morte, Memorial de Piracicaba 2002-2003.
  • Zanderigo, Cláudia Albuquerque e Alves, Adauri – Atentado ao Presidente, JÁ/Diário Popular – São Paulo #26 – 4/5/1997
  • Abreu, Alzira Alves – Dicionário Histórico-Biográfico da Primeira República 1889-1930, Editora CPDOC – Fundação Getúlio Vargas, 2015

Updated: 13/06/2017 — 9:02 pm