Cadê os Hovercrafts ?

Sucesso na segunda metade do século passado, esta tecnologia de transporte e navegação, possui uma rica história que tem início em 1716, mas que neste século 21 poucos tem aparecido como grande solução para as finalidades a que se destina.

abertura

Como lembrança, o Hovercraft, é um veículo de colchão de ar, que não trafega diretamente na água ou no solo, mas “flutua” sobre um colchão de ar pressurizado. Eles são capazes de deslizar sobre diversos tipos de superfície, como água, terra, neve, lama, pântanos, etc.

O funcionamento básico de um hovercraft  é que eles possuem dois ou mais motores separados. Um dos motores é responsável pelo levantamento do veículo ao “empurrar” o ar para o interior da saia de borracha, e esses motores são chamados de hélices de sustentação. Para a propulsão são utilizados um ou mais motores para proporcionar o deslocamento do barco na direção desejada e são chamadas de hélices ou motores propulsores. A direção como em qualquer embarcação é determinada pelo uso de lemes. Comparado com outros tipos de veículos ele se mostra superior na economia de combustível, pois seu atrito em deslocamento é apenas com o ar e não com a resistência do piso em que trafega.

Conceitos básicos do funcionamento de um Hovercraft.

Conceitos básicos do funcionamento de um Hovercraft.

O Hovercraft como conhecemos foi inventado em 1953 pelo britânico Sir Christopher Cockerell, que pelo feito foi condecorado como engenheiro em 1969, onde através de um simples experimento envolvendo o motor de um aspirador de pó e dois tubos cilíndricos empurrado o ar para fora sob pressão, tornando possível movê-lo facilmente sobre várias superfícies. Este princípio o permitiria deslocar-se sobre a lama, água, terrenos alagados e também sobre terra firme. Mas para se chegar até este modelo muitas tentativas ocorreram como mostra o histórico:

  • 1716 – É considerado o início da história do hovercraft, na Suécia, pois lá foi criado o primeiro modelo de um deles, com a aparência parecida com a de um barco de cabeça para baixo. Para o funcionamento, o operador deveria utilizar uma espécie de pedal para forçar a entrada de ar embaixo da embarcação, fazendo com que ele flutuasse. Não saiu do papel dado o esforço que o operador tinha que fazer.
  • 1915 – O austríaco Dagobert Müller von Thomamühl, um oficial da marinha, montou o primeiro veículo funcional para operar na água de maneira semelhante a um hovercraft e que foi utilizada pelo Império Austro-Húngaro no período de 1915 e 1916. O objetivo deste veículo era para ser usado na guerra mas como não chegou a ser utilizado em combate, foi deixado de lado.
  • 1927- O cientista soviético de foguetes Konstantin Tsiolkovsky colocou em pauta a teoria de uma condução movida por colchão de ar, cujos detalhes apareceram em seu livro chamado “Air Resistance and The Express Train”.
  • 1931 – O engenheiro Toivo J. Kaario, inspetor-chefe da empresa Valtion Lentokonetehdas, começou a desenvolver um veículo que utilizava um colchão de ar, montando-a em seguida o que lhe valeu receber a patente de seu sistema. Com isto ele é considerado o criador do primeiro modelo funcional de veículo de efeito solo.
  • 1935 – O mesmo Toivo J. Kaario testou no gelo um segundo protótipo chamado “Pintaliitäjä” (planador de superfícies) que já era capaz de flutuar, mas não era muito resistente.
  • 1935 – O engenheiro soviético Vladmir Levkov fez tentativas de construir um tipo diferente de veículo com colchão de ar q que chamou de L-1, que era basicamente uma embarcação com dois cascos paralelos, fixados lado a lado e impulsionados por três motores.
  • 1936 – O engenheiro ainda montou um modelo com uma saia embaixo do barco e com um motor da Harley-Davidson.
  • 1937 – Vladmir Levkov  com os bons resultados de testes do L-1 construiu o L-5 com propósitos militares. Ele tinha a velocidade de 130 km/h e tinha uma metralhadora e um torpedo. Ainda chegou a construir um outro modelo, o L-9 para treinamento e patrulha. Apesar de vários sucessos Levkov percebeu que os seus hovercrafts tinham vários problemas e que mesmo com a ajuda de outros projetistas percebeu que não seria uma tarefa simples resolvê-los, naquela época.
  • 1939 – Toivo J. Kaario criou um “hovercraft” com motor da Porsche, que chegava a 80 km/h com dois passageiros. Contudo, tinha sérios problemas relacionados à vibração durante seu funcionamento.
  • 1953 – O engenheiro naval norte-americano Charles Joseph Fletcher começou a trabalhar em uma embarcação movida por colchão de ar (já nos anos 40), que culminou com o projeto em concluído neste ano, que ele o chamou de “GlideMobile”. Seu primeiro teste prático do hovercraft foi realizado em 1959 no lago “Beisers Pond” em New Jersey. O Departamento de Guerra dos Estados Unidos classificou a invenção como secreta e o “GlideMobile” foi o primeiro veículo do estilo que efetivamente pôde ser chamado de hovercraft e Charles Joseph Fletcher é tratado por muitos como o criador desse tipo de embarcação.
  • 1958 – Apesar do “GlideMobile” ter sido o primeiro veículo com o funcionamento de um hovercraft, os projetos montados com os princípios modernos de uma dessas embarcações são de autoria do engenheiro inglês Sir Christopher Cockerell. Pois através de um experimento caseiro, o engenheiro foi capaz de chegar a um mecanismo que seria capaz de “prender” o ar em alta pressão dentro do colchão do hovercraft, proporcionando toda a força necessária para levantá-lo. Assim, ele foi o primeiro a empregar a pressão do ar em vez de uma corrente de ar como o princípio para fazer com que o hovercraft flutuasse. O engenheiro conseguiu receber investimento para a construção de um modelo em escala real.
  • 1959 – Sir Christopher Cockerell, após uma parceria com a empresa Saunders Roe, teve o desenvolvimento o SR-N1 (sigla para Saunders Roe Nautical 1).

Os modelos e usos, a história e os conceitos técnicos dos Horvercrafts (inglês) 


Aliás a Saunders Roe, que era fabricante de aviões desenvolveu o primeiro hovercraft viável para transporte de passageiros, o já mencionado SR-N1 e realizou vários testes entre 1959 e 1961, que já tinha tido a primeira exibição pública foi em 1959, incluindo uma travessia do Canal da Mancha. Nestes testes foi observado que a flutuação do hovercraft melhoraria com a adição de uma “saia” de tecido flexível ou de borracha em volta de sua borda, para retenção do ar. E foi esta “bainha” que impedia que o ar se espalhasse.

Vários modelos foram feitos e transportaram passageiros ao longo da costa norte do País de Gales, uma linha para a Ilha de Wight a partir de 1965 e mais de 20 milhões de passageiros usaram o serviço até 2004.

Em 1970 os maiores hovercrafts britânicos estavam em serviço, transportando regularmente automóveis e passageiros através do Canal da Mancha, entre Dover e Calais (França). Este serviço foi extinto em 2000 quando o Eurotúnel que tornou mais rápido o tráfego através do canal.


A mais famosa linha de transporte de passageiros (ferry service) com um Hovercraft entre Dover  (Inglaterra) e Calais (França) substituída após a inauguração do Euro Tunel 


Grandes coisas foram prometidas para este modo de transporte, mas ele acabou sofrendo com o as altas do petróleo, e embora outros países tenham adotado, um problema acompanha todos eles, que é o elevado ruído de seus motores. Em alguns casos ele foi superado por aerobarcos que tinha um menor consumo de combustível.

Até o famoso acidente de 1972, onde um hovercraft SRN-6  foi virado por um vendaval em Southsea na Inglaterra com e 5 mortos contribuiu para manchar o modal de transporte de passageiros

Modelos mais silenciosos acabaram por ser produzidos e vários países adotaram o modal, para várias finalidades, desde ferry boats, uso militar, resgates em terrenos difíceis, lazer, competições, etc. nos anos que se seguiram.

Aumentou também o número de pequenos hovercrafts de construção ou montagem caseiras, utilizados para o lazer e para competições, principalmente em lagoas e rios, uso em áreas pantanosas e até o golfista norte-americano Bubba Watson aderiu ao uso de um desses para transportá-lo, argumentando que isso era melhor que um buggy, pois não precisava manobrar para desviar de obstáculos.

O golfista adotou seu mini hover para circular nos campos de golf.

O golfista adotou seu mini hover para circular nos campos de golf.

Surpreendente é o Brasil ter passado quase ileso pela evolução dos Hovercraft. Com um universo enorme de tipos de terrenos, com um enorme bacia hidrográfica e o próprio tamanho do país, a utilização dos Hovercrafts é quase nula.

Enquanto outros países ele integrou diversas atividades e finalidades, no Brasil nada ocorreu a não ser poucas iniciativas que destacaria a de dois empreendedores do Amazonas que construíram um, tendo com estimulador um documentário  no Discovery Channel, e de uma empresa de São José dos Campos,SP que é dedicada unicamente a fabricação e comercialização do hovercraft Hovery, um pequeno veículo de montagem fácil para um ou dois passageiros. Claro que existem outros, mas nada se compara ao que ocorreu e ainda acontece em alguns países.


A iniciativa brasileira no início dos anos 2000 de dois sócios de um estaleiro em Manaus, Amazonas
 

Um modelo fabricado em São Jose dos Campos para uso de um ou dois passageiros da marca Hovery


Uma esperança recente que surgiu, foi quando em São Paulo foi aprovado o PDE (Plano Diretor Estratégico) que com os PLs 16.010, 136 e 267(2014), obrigam que a bacia hidrográfica de São Paulo, seja incorporada ao sistema de transporte público da cidade se integrando a todos os outros modais. Isto resulta em mais de 137 km de leitos para serem explorados. Seriam o Rio Tietê, Rio Pinheiros (inferior e superior), Represa Guarapiranga e represa Billings (O rio Tamanduatei foi esquecido ?). Embora tenham sido sugeridos até modelos de embarcações, a utilização de Hovercrafts ainda não foi pensada.

Agora oficial e legal, os rios e represas de São Paulo deverão ser agregadas ao sistema de transporte urbano. Os rios Tietê (foto) e Pinheiros seriam uma ótima opção para navegação de hovercrafts e integração com vários outros modais de transporte de passageiros.

Agora oficial e legal, os rios e represas de São Paulo deverão ser agregadas ao sistema de transporte urbano. Os rios Tietê (foto) e Pinheiros seriam uma ótima opção para navegação de hovercrafts e integração com vários outros modais de transporte de passageiros.

Muitas outras oportunidades certamente existem Brasil afora, mas diversos fatores locais nos fazem distanciar desta solução numa amplitude bem maior.

Alguns países usam os Hovercrafts para fins militares como por exemplo a Russia que detém o título de ter construído o maior do mundo para esta finalidade, e outros por exemplo dos EUA para desembarque de tropas e equipamentos:


Dois gigantes militares, um russo que é o maior do mundo e um da Marinha dos Estados Unidos em treinamento de operação de desembarque de tropas e equipamentos.


Muito em moda na segunda metade do século XX, e menos agora no século 21, os Hovercrafts poderiam ser solução para vários problemas de deslocamentos, principalmente para o Brasil, desde hidrovias até transporte de passageiros e por isto ainda vale a pergunta: Cadê os Hovercrafts ?

Vale a pena ver:


Bibliografia/Fontes:

  • Mann, Martin – Here Come Cars without Wheels, Popular Science 06/1959, NY
  • Building and using hovercraft – Hovercruiser
  • Hovercraft – Ultimate Amphibious Machine – Naked Science – 2015
  • Machado, Gisele – De barco e Bilhete único, Revista Apartes #10 – São Paulo, 2014
  • Wiki – Hovercraft

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Updated: 15/02/2016 — 6:42 pm

6 Comments

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  1. Solução ideal para aproveitamento destes rios finalmente. Hovercrafts nos rios Tietê e Pinheiros seria mesmo algo inovador. Mas e aí esqueceram o Rio Tamanduateí mesmo ? Este rio liga o ABC a São Paulo e com barcos de transporte de passageiros interligaria com várias estações de Metrô, Trens suburbanos e o BRT Expresso Tiradentes…Conversa com os caras lá, isto não pode ser esquecido. Legal o post cara…parabéns – Antonio Martinelli

  2. Maravilhoso post. Vamos aqui elucubrar….se eles estivessem no lugar da balsa Santos-Guarujá ou São Sebastião-Ilha Bela só para citar alguns, já pensou a maravilha que seria ? Perdemos o bonde da história e ainda continuamos a correr atrás….

  3. Bacana Amaral, da até vontade de navegar mum desses.
    Abraço, J.Santos

  4. Antonio C. Guimarães

    Caros,
    caso tivessemos tecnicos e não politicos de carreira ocupando secretarias, como por exemplo, a de transportes publicos , como acontece em paises desenvolvidos, nos aqui no Rio já teriamos essa tecnologia para o transporte maritimo entre o centro da cidade, Ilha do Governador para a Gloria, Copacabana e Barra da Tijuca. Nos falta vontade politica, conhecimento e recursos financeiros uma vez que esses têm que pagar também as altas propinas.
    Cultura tupiniquim.
    Abraços.

  5. Caro Amaral, muito interessante essa matéria sobre o hoverland.
    Obrigado por partilhá-la.
    Abs,
    Alan K Cardoso​

  6. Amaral,
    Este artigo me fez lembrar do Supervisor Wanderley Romano que tinha a ideia de montar um e fiz parte do grupo mas, não saímos da intenção. Não lembro mais se você também fez parte, sei que tinha mais Especialista no grupo. Tínhamos até um desenho.
    Bom recordar.

    Paz, Pimenta

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