E se o Belvedere fosse o MASP ?

Está bem caracterizado na história que o MASP – Museu de Arte de São Paulo é um dos mais  notáveis, conhecidos e visitados ícones da cidade de São Paulo. Sua construção se deu num estilo arquitetônico conhecido como brutalismo. Os traços deste estilo são achados em todo o mundo. A arquitetura brutalista foi um movimento arquitetônico desenvolvido por arquitetos modernos em meados das décadas de 1950 e 1960. Desenvolveu-se a partir de uma radicalização de determinados preceitos modernos na época.

Tem uma estética crua destacando pilares, com um visual de obra inacabada, normalmente concreto aparente e de construção de espaços de forma organizada e ordenada para acomodar atividades humanas. Há outros exemplos deste estilo em SP, como o SESC Pompéia e muitos outros espalhados pelo Brasil e pelo mundo

No caso do MASP, sua localização na Avenida Paulista, marca presença, apesar de existirem vários estilos arquitetônicos presentes na famosa avenida.

Mas muito antes desta construção no número 1578 da avenida Paulista havia uma belíssima construção chamada de Belvedere Trianon. O projeto desse espaço público, que também ficou conhecido como Miradouro da Avenida ou Belvedere da Avenida, era assinado pelo escritório de Ramos de Azevedo.

O Belvedere Trianon foi entregue no dia 12 de junho de 1916 pelo então prefeito Washington Luís, quando diversas autoridades compareceram ao evento de inauguração. O Belvedere (mirante em italiano), possuía além dos terraços que vemos em imagens antigas, salões para festas e convenções e outros serviços, como restaurante e confeitaria. Possuía também mirantes, com vista para o vale do Saracura, hoje avenida 9 de julho, para o centro de São Paulo e para os jardins do Parque Trianon, do outro lado da avenida Paulista.

Veja o trabalho ilustrativo em animação realizado por Marcos Vinícius Uchôa sobre o Belvedere Trianon – Nota: veja uma retificação deste vídeo aquiVeja também como era o Belvedere

Basicamente o Belvedere situava-se onde hoje é o vão do MASP, no nível da Av.Paulista. Mas possuía dois pavimentos abaixo deste nível voltados para o centro de São Paulo, onde haviam os salões de encontros e de eventos da elite paulistana, funcionando como uma espécie de clube e com uma agenda social bem agitada. O lugar era frequentemente regado a festas, concertos, bailes e reuniões, etc. Em 1920, com a crise do café e ao crescimento urbanístico da Avenida Paulista tornaram o local mais popular que elitista.

A mudança de público transformou sofisticados salões e restaurantes em bares que serviam sorvetes, refrigerantes e outras guloseimas, com direito a academia de dança com aulas de boas maneiras e desenvolturas. Havia inclusive uma senhora conhecida como Madame Poças Leitão, que por anos respondeu pelas aulas de boas maneiras e desenvoltura no colégio tradicional da cidade, o Des Oiseaux, que era então a responsável por ensinar a arte do fox trote e do chá-chá-chá aos rapazes e moças.

A dramática visão do abandono e da demolição do Belvedere, primeiramente para a realização da 1ª Bienal. Com a construção do MASP demoliram também os dois andares inferiores dos mirantes e enormes salões, que poderiam muito bem ser transformados em local de exposição de artes. VEJA AQUI, a improvisação para realização da 1ª Bienal, no piso paulista após a demolição do Belvedere 

Mas o local foi se degradando aos poucos e, em 1953, acabou o piso do Belvedere demolido para ceder espaço para a 1ª Bienal de Arte Moderna de São Paulo. Com o sucesso do evento, o terreno foi doado pela prefeitura para a construção do MASP, desde que mantivesse o espaço no nível da Av Paulista como mirante para se ver o centro de São Paulo, que seria inaugurado em 1968. Tudo certo com a prefeitura, mas não combinaram com o horizonte visto pelo mirante, que hoje praticamente não existe, pois as altas construções da Avenida 9 de Julho e entorno praticamente acabaram com a vista do centro de SP que outrora existira. Não a toa já houve até a ideia de fechar o “terreo” (vão livre) da atual construção tornando o espaço privado para expansão do museu.

O mirante que foi o condicionante para a doação em épocas anteriores e a situação atual. Não há mais a visão atrativa que existia em décadas atrás. Veja como eram os mirantes do Belvedere

Este vão livre do Masp, um dos pontos mais conhecidos da arquitetura do prédio, não foi exatamente um surto de inspiração de Lina Bo Bardi, a que projetou o caixote brutalista , mas sim, uma necessidade. É que o terreno onde se situa o Masp era privado e foi doado a prefeitura, e era preciso construir um prédio que não obstruísse a paisagem para a Avenida Nove de Julho e para o centro de São Paulo. A forma de contornar essa exigência respeitando a condição dos doadores foi projetar uma construção com um grande vão.

Assis Chateaubriand que foi o fundador dos Diários Associados, em meados dos anos 1940 era o maior conglomerado de veículos de comunicação do Brasil, resolveu criar um Museu de Arte de porte internacional. .

Chateaubriand, no entanto, apesar de apreciador, era um totalmente leigo no assunto de artes. Então para garantir a seleção de peças de alto valor e com garantias de autenticidade, convidou Pietro Maria Bardi, galerista, colecionador, jornalista e crítico de arte italiano.

Pietro e Assis Chateaubriand, inauguraram o MASP em 2 de Outubro de1947. Na sede das empresas dos diários associados, no centro de São Paulo na Rua 7 de Abril, muito antes de te-lo na Av. Paulista, pois lá ainda estava o Belvedere de Ramos de Azevedo tendo suas atividades como ponto referencial da cidade

Atualmente, o MASP e todo seu entorno continua como um dos principais cartões postais de uma cidade repleta de histórias, eventos e programações para quem curte o agito de São Paulo.

Na ocasião das decisões de demolição do Belvedere e do novo projeto para o local, o famoso arquiteto Christiano Stockler das Neves fazia um manifesto no Correio Paulistano com artigos de  chamada: “Bom gosto, por que te escondes e não reages”? Certamente era possível perceber, o desconforto do arquiteto contra a arquitetura moderna na época e principalmente a demolição do Belvedere.

E é nesta linha que esta matéria questiona e faz simulações: “ E se o Belvedere Trianon tivesse sido restaurado e adaptado para ser o novo MASP, em uma combinação com os estilos dos casarões da Av.Paulista na época ?

Ramos de Azevedo poderia ter sido chamado para adaptar e expandir aquela bela construção de estilo clássico na época. Chateaubriand e Bardi, não poderiam ter tido esta ideia?

A construção que lá existia era belíssima, e como mencionado adaptações mantendo aquele estilo poderiam ser realizadas garantindo os mirantes como era a exigência dos doadores do terreno.

Ao nível da Av Paulista, o Belvedere onde existiam gazebos e jardins de colunas,etc., hoje é o piso do famoso vão livre, poderia muito bem ter sido edificado com alguma construção de padrão Ramos de Azevedo, que foi o rei da arquitetura na fase européia da cidade de São Paulo. Os gazebos belíssimos nas laterais do terreno poderiam ter sido mantidos ao lado de uma construção central, nao?

Abaixo alguns estilos de construções que poderiam ter sido erguidos no nível da avenida Paulista, entre os gazebos:

Aguns estilos arquitetônicos que poderiam ter sido realizados para o Museu, mantendo-se as características do escritório Ramos de Azevedo. Poderiam ter sido edificadas bem antes do interesse de Chateaubriand e Bardi transferir o museu para a av.Paulista.

De certa maneira o arquiteto Christiano Stockler das Neves, poderia estar com a razão, não por criticas a arquitetura moderna da época, mas por contrariar aquela beleza arquitetônica sendo destruída e tornando-se um entulho sem qualquer valor. Poderia ainda estar por lá, mesmo retrofitada, juntando-se a outras preciosidades arquitetônicas, da cidade, como o teatro municipal, Martinelli, Museu do Ipiranga, Edifício do correio central, Pinacoteca, entre tantos outros.

O protesto do arquiteto Christiano Stockler das Neves, vendo o espaço de valor arquitetônico sendo destruído.

Fica o registro histórico !  Veja a comparação de antes e depois


Bibliografia/Fontes:

  • Marcos Vinícius Uchôa, Janela da História, Antonio Maluf, Ricardo Amorin, Correio Paulistano, Rodrigo Garcia (Rev.Apartes), Luciana Loreiro, Wiki Belvedere Trianon, Fundação Bienal, Blog da Trisul, SP City, SP In Foco, Francine Costanti, Felipe Alexandre Herculano, Luciana Cotrin, Mauro Donato, Werner Haberkorn, Museu Paulista USP, Fabiola Lowenthal, Marcos Santos, reprodução redes, acervo pessoal, Berlin_Kronprinzenpalais, Miami Conty Courthouse, Petit Trianon, RapidCity

Updated: 01/07/2022 — 11:12 am

2 Comments

Add a Comment
  1. Muito bom artigo Amaral. Uma aula de história faz bem. A obra está feita e o vão livre hoje é uma marca como foi o Belvedere. Não estou julgando se melhor ou pior. Acho que os arquitetos poderiam usar a criatividade para modernizar o local com a presença do vão. Se fechá-lo teremos um caixote.

    1. Certamente. Obrigado pelo comentário e considerações ! Um abração a todos por aí / Amaral

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *