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“Mamãe, me leva”, ontem e hoje…

Apesar do título, “Mamãe me leva”, na realidade é o apelido dado a um problemático sistema de transporte público, os Ônibus. Não há uma só gestão pública, que não tenha que encarar situações problemáticas com este tradicional meio de transporte, e a situação atual e os eventos que estão ocorrendo desde o inicio do ano mostram que a essência dos problemas são sempre os mesmos, desde que o sistema começou na cidade, senão vejamos:

Apesar do serviço de auto-ônibus ter se iniciado no ano de 1911, pela empresa Companhia Transportes Auto Paulista, com horários e itinerários não fixos, foi no início de 1924 que a “coisa pegou feio”, pois para variar a me­trópole começava a enfrentar sé­rios problemas de infraestrutu­ra.

Sua indústria já consumia mais eletricidade do que a Light podia produzir e, para piorar, uma for­te seca esvaziou as represas com­prometendo a geração de eletricidade. Os cortes de ener­gia eram inevitáveis e os bondes elétricos, então o princi­pal meio de transporte da cida­de, começaram a enfrentar sérios problemas e a escassear o serviço.

Eco­nomizar eletricidade era impres­cindível para evitar um colapso, determinaram os tecnocratas da época, sem medir as consequên­cias sociais e econômicas das suas decisões (qualquer semelhança com a atualidade…..).

O motivo do racionamento até podia ser justo, mas a população, que se viu forçada a gastar mais e mais solas de sapato e tempo de deslocamentos com o sumiço dos bon­des, se revoltou e come­çou a pressionar as au­toridades para que uma nova alternativa de transporte de massa fosse criada, talvez até para substituir os bondes.

Planejar caro­na com os vizinhos, amigos ou colegas, nem pensar, até porque eram poucos os carro particulares existentes. No livro Cem Anos do Automó­vel, de José Luiz M. Vieira, há dados refe­rentes a 1926 que registram apenas 104 mil automóveis no País (hoje só na Capital circulam entre 6 e 7 milhões de automóveis).

Como a prefeitura e o governo do Estado estavam insensíveis ao drama da população, o sentimento de revolta foi crescendo se tornando uma “panela de pressão” prestes a explodir.

Aprovei­tando-se da situação, o general Isidoro Dias Lopes encontrou mais com­bustível para deflagrar um movi­mento militar contra o impopu­lar Presidente Artur da Silva Bernardes (1922-1926).

As facções rebeldes e legalistas transforma­ram São Paulo num campo de ba­talha, e os próprios civis aumen­tavam a confusão, quebrando tudo que viam pela frente. As au­toridades não sabiam como resol­ver a catástrofe que se abatia so­bre a cidade, mas a ordem dos técnicos da Light era: “Tirem mais bondes das ruas”.

Como ocorre frequentemen­te, a solução era simples e já existia, bastava os políticos e tecnocratas não complicarem com suas decisões.

Cerca de 15 anos antes da rebelião comandada por Dias Lopes, o em­presário Quirino Grassi construiu no Brasil, juntamente com seu pai, Luís e o seu tio Fortunato, o primeiro dos veículos que, no futuro, seriam os responsáveis pelo transporte de massa no País: os ônibus urbanos. Ele fez isto após abandonar a fabricação de veículos de tração animal.

Fig. 1: Propaganda da Grassi em 1930, ilustrando o "Mamãe me leva"

Fig. 1: Propaganda da Grassi em 1930, ilustrando o “Mamãe me leva”

Embora não tivesse obtido êxito na primeira década do sé­culo 20. Quirino estava disposto a reimplantar seu projeto, pois perce­beu que naquela ocasião uma grande oportunidade empresarial, tinha a certeza do su­cesso do veículo , dada as várias situações favoráveis se apresentavam.

Com essa ideia na cabeça, o visionário Quirino convidou o irmão, Bru­no, para repetir a experiência anterior, bastando para isso montar uma carroceria para passageiros so­bre um chassi de caminhão Ford, disponível na época.

Poucos dias depois, os veículos encarroçados pelos irmãos Grassi ganha­ram as ruas.

Fig. 2: As crianças pareciam se encantar com o novo veículo, dai o surgimento da lenda "Mamãe me leva" neste onibus.

Fig. 2: As crianças pareciam se encantar com o novo veículo, dai o surgimento da lenda “Mamãe me leva” neste onibus.

As unidades tinham composição muito simples, com componentes estruturais e me­cânica de caminhão. A carroce­ria não tinha janelas, os bancos eram de madeira, co­locados transversalmente ao chassi (em esquema de plateia), e tinham capa­cidade para transportar 11 pes­soas e o motorista, que também era o cobrador.

Esses ônibus pioneiros foram colocados na linha Lapa-largo São Bento. A escolha do trajeto não foi casual: na época, a Lapa e al­guns bairros vizinhos, Vila Jaguara, Limão, Freguesia do Ó, Vila Anastácio, Vila Leopoldina, Vila Hamburguesa, reuniam um contingente enorme de traba­lhadores, que geralmente ganha­vam seu pão no Centro da cida­de.

Fig. 3: O "mamãe me leva" no viaduto Santa Efigênia no final dos anos 20, do século passado.

Fig. 3: O “mamãe me leva” no viaduto Santa Efigênia no final dos anos 20, do século passado.

Os novos veículos foram mui­to bem recebidos pela população e logo ganharam o apelido de “Ma­mãe, me leva”, que segundo a lenda, o nome teria surgido quando uma criança pediu à mãe para passear no novo meio de transporte. Nasceu com isto a Industria de carroçarias Irmãos Grassi, que além de pioneiros, encarroçaram milhares de ônibus nas décadas posteriores. Criaram também, o que se tornou prática por muitos anos (e até hoje), que é o uso de chassis e mecânica de caminhões para encaroçar veículos de passageiros.

Em 1925, a própria Light colocou nas ruas confortáveis modelos de ônibus importados dos Estados Unidos, destinados ao trajeto Lapa-Praça do Patriarca. No ano seguinte, surgiriam outras empresas parti­culares. Assim, em 1930, cerca de 36 linhas de ônibus já operavam na capital paulista.

Durante a Segunda Guerra Mundial, a importação de chassis foi paralisada e o Governo impôs um racionamento de combustí­veis, provocando assim uma nova crise nos transportes públicos (mais uma para variar).

Houve redução lenta e gradual dos ônibus em circulação (que já tinham sua guerra particular com os bondes) e os poucos que restaram eram movidos a gasogênio. Foi nesse período que co­meçaram a surgir as empresas de autopeças para a manutenção dos ônibus existentes.

Em 1947, a “genialidade” da época estatizou os transportes públicos mu­nicipais com a criação da CMTC, que, como esperado, depois de alguns anos sem dar conta da demanda, criou o primeiro “papa-filas”, uma enorme geringonça que tumultuava as ruas da cidade.

Eram cavalos-mecânicos produzidos pela Fábrica Nacional de Motores (FNM), outra estatal, que puxa­vam enormes reboques para pas­sageiros, com capacidade para até 150 pessoas.

PapafilanoAnhangabau1948PapaFilanoAnhangabau1960Fig. 4: Papa-fila – os famosos produtos da tranqueira estatal (CMTC e FNM) causando muitas confusões no trânsito da época

No entanto, como esses monstrengos infernizavam o trânsito da cidade, em 1958 foi necessário autorizar mais uma vez a entrada de empresas particulares no setor, já que como se sabe a estatização não resolve problemas de grande demanda.

Se o papa-fila foi uma solução ruim para a época, dada as condições viárias existentes, deixou um legado muito interessante, a ideia de grande capacidade de passageiros por veículo. Não é absurdo dizer que certamente eles são os pais dos modernos e atuais ônibus articulados e bi-articulados (BRTs, VLPs, etc…).

Fig. 5: O "Mamãe me leva" moderno. Há centenas deles circulando pelos corredores e terminais da cidade.

Fig. 5: O “Mamãe me leva” moderno. Há centenas deles circulando pelos corredores e terminais da cidade.

Mas apesar de os ônibus definitivamente conquistarem seu espaço urbano, desde o início, o serviço não era uma maravilha. Já nos anos 30 e 40, a imprensa destacava a es­cassez de ônibus, seu as­pecto desalentador e a sujeira, viviam sem­pre lotados, com os pas­sageiros espremidos como sardinhas em latas.

Como se pode verificar, num olhar clínico, nestes aspectos a situação problema continua, passados 99 anos, apesar de toda a tecnologia implantada, dos corredores e faixas exclusivas, da melhoria viária…..

E não é só, pois nestes 100 anos de transporte de ônibus, houveram várias experiências, entre elas algumas com bons resultados, troleibus e micro-onibus e outras com combustíveis motores alternativos, que não avançaram em quantidade e qualidade (só não testaram ônibus movido a energia nuclear). O encerramento do serviço de bondes é até os dias atuais questionado (poderiam ter evoluído para a tecnologia dos VLTs – Veículo leve sobre trilhos).

Com a situação crônica, já de algum tempo os ônibus dividem espaço com serviço de trens (Metrô, trens suburbanos) e em breve com monotrilhos, a ainda assim a saturação é constante, razão dos milhões de automóveis que dividem o espaço urbano.

Dificilmente uma criança nos dias de hoje daria um apelido “Mamãe me leva” ao olhar para um ônibus, ou se fizesse não seria um apelido tão carinhoso……


Fig 6: A história preservada.

Fig 6: A história preservada.


BIBLIOGRAFIA/CRÉDITOS:

  • Ferraresi, Rogério – JÁ Diário popular 28/12/1997, São Paulo
  • Vieira, José Luiz M. – Cem Anos do Automó­vel – Edi­tora Três,1996, São Paulo
  • Stiel, Waldemar Corrêa – Ônibus: uma história do transporte coletivo e do desenvolvimento urbano no Brasil – Comdesenho Estúdio e Editora, 2001, São Paulo
  • Museu do Transporte Público Gaetano Ferolla
  • Foto Figura 5 – Adamo Bazani
  • Foto Figura 6 – Toni Belviso

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Updated: 14/11/2013 — 5:40 pm