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De estação de trem a sala sinfônica…

Que tal uma experiência: colocar uma sala de concertos ao lado de uma linha de trens! Embora pareça ser uma idéia maluca, iniciativas geniais, perseverança e tecnologia não impediram que a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) e a Estação Ferroviária Júlio Prestes, em usar uma construção belle epoqué do centro paulistano, num exemplar ricamente sinfônico em 1999.

A bela estação de trem, já com a cobertura da Sala São Paulo

Deste matrimônio arquitetônico nasceu a Sala São Paulo, um dos mais sofisticados palcos para a música erudita do planeta.

É necessário contudo contar um pouco da história deste local, pois, o edifício da Estação Júlio Prestes, foi projetado pelos arquitetos Christiano Stockler das Neves e Samuel das Neves, foi erguido pela finada Estrada de Ferro Sorocabana entre 1925 e 1938. Possui belos ambientes com vitrais de autoria de Conrado Sorgenicht, escadarias de mármore e peitoris em ferro fundido. Nas áreas de circulação o piso é de mosaico e, nos demais ambientes, de madeira.

Construída com estrutura de concreto e alvenaria de tijolos, no estilo Luis XVI, sobrecarregado com esculturas e detalhes, a Júlio Prestes seria a estação inicial da Estrada de Ferro Sorocabana, a principal veia de transporte de café em São Paulo. Ocupando uma área total de 25 mil metros quadrados, seu projeto arquitetônico, chegou a ser premiado no III° Congresso Panamericano de Arquitetos, de 1927.

Depois da crise de 1929, já em 1930, foram entregues ao público a ala das plataformas e o concourse. Em seguida, houve nova paralisação por conta da Revolução de 1932 e dois anos depois, inaugurou-se a Estação, já com o nome de Estação Júlio Prestes.

O fim da era de ouro do café, somado à degradação da região central de São Paulo e do transporte ferroviário no Brasil, levaram a Estação Júlio Prestes permanecer esquecida por longo tempo, aos maus tratos e, mais tarde, ao semi-abandono.

Suas instalações dividas em três, teve parte de seu prédio ocupado pelo DOPS entre os anos de 1964 e 1983. O restante do edifício seguiu destinada ao transporte ferrroviário, sendo utilizada pela antiga Fepasa e depois pela CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), o que ainda acontece na atualidade. À sua frente ainda existiu a antiga Rodoviária de São Paulo

Em 1990, surgiu a proposta de se recuperar a estação no que foi chamado de Complexo Cultural Estação Júlio Prestes e transformar parte de seu belo edifício na sede da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, a OSESP

O projeto compreendia o restauro e reciclagem da Estação Júlio Prestes para sua transformação, no que seria chamado de Sala São Paulo,e teve o apoio público-privado, uma realização da Associação Viva o Centro, apoiada pelo Ministério da Cultura através da Lei de Incentivo à Cultura e patrocinada pelas empresas Telefônica, Caixa Econômica Estadual e o então Bank Boston.

O surgimento do Complexo Cultural Júlio Prestes, seu nome de batismo, compondo com histórico edifício-sede da Estrada de Ferro Sorocabana e a moderníssima Sala São Paulo, representam excelente exemplo de como é possível unir diversidades, pois de um lado, havia um edifício magnífico, tombado pelo patrimônio histórico, que estava degradado por pura falta de utilização e por outro, uma orquestra de alto gabarito que, desde sua formação, em 1954, levava uma vida de improvisos, ensaiando e se apresentando onde fosse possível, de restaurantes, Teatros (São Pedro, Cultura Artística, etc) e de mofar durante anos no indescritível Cine Copan.

Os seus músicos, sem condições mínimas de trabalho e com baixos salários, faziam jingles para comerciais e outros bicos por fora. Até que um dia essa rotina mudou e a Osesp ficou em evidência, claro grande parte graças a Sala São Paulo.

O movimento de transformação iniciou-se em 1996, após o falecimento de Eleazar de Carvalho, o maestro brasileiro mais brilhante da história, que comandou a Osesp por mais de vinte anos.

O projeto arquitetônico, desde a sua elaboração até a conclusão da obra, consumiu R$ 45 milhões, envolvendo uma equipe de 18 arquitetos, que trabalharam durante 27 meses.

Até então, o Brasil não tinha uma única sala de concertos em todo seu território. A Sala São Paulo, além de ser a primeira, apresenta características inéditas. “O forro é completamente móvel, oferecendo alternativas de ajuste acústico como em nenhuma outra sala existente no mundo. O ajuste forro, quando colocado em ponto máximo, permite enxergar a sala com toda a arquitetura original recomposta.

Este projeto colocou definitivamente a cidade no roteiro das grandes apresentações das orquestras internacionais e transformou o centro da cidade em uma referência mundial para arquitetos e urbanistas, além de elevar o nome da OSESP ao mundo, principalmente nos grandes palcos Europeus e dos Estados Unidos.

O projeto obteve, no ano 2000, reconhecimento no Brasil e no exterior. O United States Institute for Theatre Technology concedeu o Honor Award 2000 ao projeto de Revitalização da Estação Júlio Prestes e construção da Sala São Paulo em três categorias: arquitetura nova, restauração e tecnologia de teatro. Também recebeu a Menção Hors Concours do Instituto de Arquitetos do Brasil.

Mas nem sempre juntar tanta diversidade arquitetônica e sua readequação é tarefa fácil.

Segundo relato de Rodolfo Yamamoto Neves, historiador contratado pela Fundação Osesp para supervisionar o serviço de monitoria do Complexo Júlio Prestes, apesar do antigo terminal ferroviário ter sido um candidato à futura sala de concertos, inicialmente se acreditava que o volume de obras necessárias à readequação do edifício seria demais para um edifício tombado pelo patrimônio histórico.

Estas questões no Brasil as vezes atingem situação de neurose, e descaracterizar a estação seria um preço alto demais a se pagar.

Um acaso feliz mudaria tudo. Contratada para ajudar com a futura sala musical, a consultoria norte-americana Artec (especializada em prédios para uso artístico) despachou uma equipe para avaliar os espaços disponíveis. A arquitetura da Júlio Prestes encantou tanto esses profissionais que, mesmo sem encontrar um salão adequado ao empreendimento, resolveram dar um passeio descompromissado pelo local.

Foi assim que toparam com um enorme pátio bem no centro da construção, o antigo Jardim de Inverno que eles perceberam que suas proporções lembravam muito as de uma ‘caixa de sapato’ que tem uma performance acústica excelente e, por isso, é adotada nas melhores salas de concertos do mundo.

O Jardim de Inverno no interior da Estação, por volta de 1983


O início das obras de transformação em 1997


E a bela obra concluída

Um outro acaso mais parecido com um golpe de sorte colocou os defensores do projeto no melhor lugar possível 1996, pois o governo Mário Covas liberou R$ 35 milhões para as obras, e a iniciativa privada contribuiu com mais R$ 10 milhões.

Mas existiam também dificuldades pois era preciso conhecer a construção em profundidade. Não existiam plantas das instalações da Júlio Prestes, então era preciso fazer um bom levantamento para descobrir onde estava cada viga, parede e porta, e outros detalhes.

Com todas estas etapas cumpridas, no início de 1997, foi aberta a concorrência que colocou o arquiteto Nelson Dupré à frente do projeto. Foi sob a batuta dele que o complexo cultural ganhou aquela que se tornaria a principal marca de sua arquitetura: a contraposição harmoniosa entre a arquitetura Luís XVI original da antiga estação ferroviária e os elementos pré-moldados assumidamente modernos utilizados para adequar o espaço à sua nova função.

Resumindo 18 meses de obras que aliaram centenas de operários, técnicos especializados, procedimentos artesanais de longa tradição e as mais modernas tecnologias que transformaram a área central da estação (um enorme hall com forma de caixa de sapatos) em uma das mais belas, modernas e completas salas de concerto do mundo:A Sala São Paulo. A coexistência com uma estação ferroviária também requereu uma laje flutuante.

Inaugurada em 1999, como já mencionado, a sala possui um forro móvel (motorizado, composto por diversos blocos independentes), que permite à acústica do local uma adaptação aos mais diversos tipos de música serem executados.

Blocos móveis no teto, garantem ajuste acústico, para qualquer musical

O local além de oferecer belos concertos, pode ser visitado, com monitoração, requerendo portanto agendamento prévio.

Agora em 2013 está passando por restauro e reforma de parte de suas instalações, conforme mostra o vídeo:

 

 

 

Hoje o complexo Julio Prestes, participa da revitalização de uma das áreas da região central chamada Nova Luz, e ainda tem como vizinhos um aporte cultural grandioso, composto pela Pinacoteca, Estação Pinacoteca, Museu da língua Portuguesa, Museu de arte sacra, Museu da Resistencia, além do Parque da Luz, e futuramente com mais um complexo cultural que está sendo construído onde anteriormente existia a antiga Rodoviária de São Paulo, como mostrado aqui.

 

Uma amostra de 3 demonstrações de funcionamento da Sala São Paulo:

Bolero de Ravel com a OSESP (parte final apenas):

 

 

 

Uma apresentação popular na sala com Coral da Gente, do Instituto Baccarelli

 

 

 

 

Uma apresentação de Mapping 3D:

 

 

 

 

 

 


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Updated: 06/03/2021 — 7:32 pm