Nem só o conflito de quem inventou o avião, assola a história e brasileiros, no tocante a invenções. Enquanto no caso dos aviões a polêmica recai sobre Santos Dumont e os Irmãos Wright, uma outra invenção, o Radio, tem o mesmo enredo, mas com final diferente, pelo menos até os tempos atuais.
O Radio, esse extraordinário aparelho, dos programas sertanejos, na madrugada, às transmissões esportivas, passando pelos musicais, programas religiosos e noticiários, faz parte do dia-a-dia de moradores de cidades e zonas rurais.
Raríssimos, entretanto, são aqueles que sabem a quem devem esse prazer. Guglielmo Marconi? Errado! Embora o italiano tenha levado a fama, o verdadeiro “pai” do rádio foi o padre gaúcho Roberto Landell de Moura, que realizou o primeiro teste de seu invento na Paulicéia.
Bombástica, essa revelação é um dos pontos altos do livro “Histórias Que o Rádio Não Contou” (Negócio Editora), de autoria do radialista Reynaldo Tavares. Com 344 páginas, a obra tem o acompanhamento de dois CDs que reproduzem trechos de programas antigos e vozes famosas, num total de 120 registros sonoros.
O radialista dedicou a esse trabalho 12 anos, boa parte deles consumida em pesquisas sobre o padre Landell de Moura. Foi um esforço largamente compensado,pois o engenhoso sacerdote — nascido em Porto Alegre, em 21 de janeiro de 1861 — revelou-se um personagem fascinante.
Aos 18 anos, Landell de Moura sonhava estudar na Universidade Gregoriana, na Itália onde pretendia se dedicar à pesquisa científica. Graças à Igreja, acabou obtendo a vaga.
“Quando estudante, o padre conheceu Guglielmo Marconi, com quem trocou informações. Marconi estudava radiotelegrafia na mesma universidade e queria desenvolver o telégrafo sem fio, enquanto Landell de Moura dedicava-se a radiofonia”, conta Reynaldo, que também é professor da Universidade de São Paulo (USP).
Ao retornar ao Brasil, onde queria dar continuidade às suas pesquisas, Landell de Moura sofreu a primeira de uma série de decepções: a Igreja não queria nem ouvir falar em seus trabalhos científicos. Mas ele não entregou os pontos facilmente, o que levou seus superiores a transferi-lo, seguidas vezes, de uma cidade para outra. O objetivo era não lhe dar tempo nem condições para prosseguir com seus experimentos. Foi inútil.
No início da última década do século passado, o padre, depois de passar por Santa Catarina e Campinas foi transferido para a Paróquia de Santana, na Zona Norte da Capital paulista.
Sorte dos paulistanos, pois em 1893 Landell de Moura testou, em plena avenida Paulista, o seu “emissor de ondas”, um aparelho que lhe permitia falar com uma pessoa a quilômetros de distância. Nessa primeira apresentação pública, ele contatou com sucesso um receptor instalado no Alto de Santana, a oito quilômetros da Paulista, conforme documentos levantados por Reynaldo Tavares, entre eles uma reportagem publicada no Jornal do Commércio, de São Paulo.
“Dois anos depois, Marconi anunciaria seus experimentos com um equipamento muito inferior, uma vez que seu primeiro rádio emitia sinais apenas em código Morse e com um alcance de apenas 400 metros”, conta Reynaldo enquanto seu ex-colega de universidade começava a ser homenageado mundo afora, o padre Landell de Moura passava por maus bocados no Brasil:
“Falar de um lugar ao outro sem a ajuda de fios só pode ser bruxaria”, sentenciavam os caciques da Igreja e os fiéis mais carolas.
Apesar das dificuldades. Landell de Moura conseguiu patentear alguns de seus inventos. O primeiro registro foi obtido em São PauIo, em 1894. Depois, conseguiu mais três nos Estados Unidos: o do transmissor de ondas hertzianas e os de um telefone e um telégrafo que operavam sem fios.
O padre não sonhava em ganhar dinheiro com suas criações. Ao contrário: generoso, ele resolveu oferecê-los ao Governo brasileiro, pedindo em troca apenas uma ajuda oficial a obras de caridade.
Com essa ideia na cabeça e as patentes embaixo do braço, Landell de Moura foi ao Rio de Janeiro, então Capital da República, e encaminhou, por escrito, um estranho pedido ao Presidente Francisco de Paula Rodrigues Alves.
Solicitou dois barcos para demonstrar, na Baía de Guanabara, a eficácia de seu aparelho, colocando-os em contato. Foi uma nova decepção. “Rodrigues Alves não deu a menor confiança para o padre. Ele foi recebido por um assessor que o tratou com descaso e, ainda por cima, o tachou de louco”, conta Reynaldo.
Em 1904, as patentes do padre gaúcho perderam a validade, ficando todos os louros da invenção do rádio definitivamente para Marconi. Elevado à condição de monsenhor no final da vida, Landell de Moura morreu em Porto Alegre em 30 de julho de 1928, poucos anos depois de sua invenção ter sido apresentada aos brasileiros — sem os devidos créditos, claro.
Curioso também é o fato, de que a igreja que tantas dificuldades criou a ele para seguir em frente com suas ideias, é uma das maiores usuárias do radio nos dias de hoje, para promulgar sua fé e rituais.
Apesar de Marconi ter ficado com a fama, tardiamente algumas homenagens (póstumas) foram realizadas por aqui ao padre Landell de Moura, como ser o patrono dos radioamadores brasileiros, ter sido incluso em 2011 no livro dos heróis da Pátria, em selo dos correios e ter recebido o titulo de cidadão paulistano, pelo experimento e luta.
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Texto original de Geraldo Nunes/Revista Já 05/10/97, adaptado e atualizado em 12/07/12