No mundo dos negócios, do marketing pode ser, mas para a história contada e observada pelos olhos clínicos de paparazzos editoriais não é bem assim.
A diferença de tempo do surgimento das bandas é muito pequena, forçando um pouco, 1 ano para o estrelato entre uma banda e outra. O que variou muito foram os estilos de uma e de outra banda. O historiador John McMillian resumiu bem: “Os Beatles podem ser descritos como apolíneos, e os Stones, como dionisíacos; os Beatles como pop, os Stones, como rock; os Beatles como eruditos, os Stones como viscerais; os Beatles como utópicos, os Stones como realistas”.
Se os rótulos de que os Beatles eram os mocinhos certinhos e bonitos e os Stones eram os “mau elementos”, o fato é que naqueles turbulentos anos 60, todos mergulharam nas drogas, no sexo e no rock´n´roll, no misticismo, e nas intrigas do meio musical.
Os ecos daqueles anos 60, mostravam que predominava a ideia de que os Stones eram autênticos e os Beatles uns vendidos ao show business, explorando muito também o cinema como forma de projeção, ao passo que os Stones prestigiavam muito manter as raízes do blues e R&B, e de se apresentar em público.
Como ainda afirmara o historiador John McMillian: “Via os Beatles como uma boy band, algo muito pré-fabricado em seu início, enquanto os Stones pareciam crescer organicamente”. Há quem também afirme que os Beatles duraram enquanto a criatividade de John e Paul durou e que não passaria além disto. Já com os Stones era a torcida de muitos que com a morte de Brian Jones antecipasse também o fim da banda, já que ele era a raiz do blues dentro da banda.
Se o fim dos Beatles se confirmou, os Stones ao contrário perpetuaram sua longa jornada que parece inacabável, e claro que lá longe a gravadora Decca pode se orgulhar do feito, pois permitiu o desembarque triunfal da banda e se redimiu diretamente do equívoco da gravadora ao rejeitar os Beatles em 1962, responsabilidade do então diretor Dick Rowe, que não queria repetir seu erro.
Todo este cenário induziu a retórica de que as bandas eram rivais, e que competiam pelo mesmo espaço dentro do universo do pop-rock. Ledo engano talvez mais um puro jogo de marketing. Tanto os quatro Beatles como os cinco Stones eram camaradas e se ajudaram durante boa parte da carreira.
Mais do que amigos, foram cúmplices musicais e até se ajudaram na gravação de seus álbuns, ou seja os Beatles participariam de discos dos Stones e vice-versa. A eventual rivalidade era coisa plantada pelas campanhas de marketing ou de jovens que juravam fidelidade a uma ou outra banda. A realidade tinha distinções, que prevalecem até nos dias atuais.
Em sua fase incial, era comum os integrantes das duas bandas se encontrarem no transporte público de Londres, e era frequente os Beatles frequentarem a Craw Daddy, uma casa de blues e R&B em Richmond, no condado de Surrey, para ver os Stones. Deste ponto nasceu um grande amizade entre John Lennon, Paul McCartney, George Harrison, Ringo Starr, Mick Jagger, Keith Richards, Brian Jones, Charlie Watts e Bill Wyman. Sairía desde já uma troca de experiências e favores entre os músicos que criariam uma cumplicidade muito além do que parece.
Se em outubro de 1962, os Beatles lançavam seu primeiro disco, “Love Me Do”, no mesmo ano, os Rolling Stones se apresentavam pela primeira vez em público para o mundo no Craw Daddy. Se os Beatles tinham o Cavern Club, em Liverpool, os Stones tinham o Craw Daddy, na região metropolitana de Londres, onde nasceu Eric Clapton.Mais do que amigos, viraram colaboradores.
Não bastasse isto mais uma coincidência comprometedora se apresentava, pois Brian Epstein então empresário que colocou os dos Beatles no cenário de sucesso, tinha como seu amigo “do peito” Andrew Loog-Oldham, dono de uma competente equipe de gerenciamento dos Stones. A swinging London insistia em ver Beatles e Rolling Stones como amigos, não como concorrentes, e que os enfrentamentos eram consequências das estratégias dos administradores das respectivas carreiras.
No início John Lennon se apresentava como o mais próximo e frequentador do ambiente dos Stones, a ponto de ter dado a eles até um canção “I Wanna Be Your Man”, que acabou por ser a segunda gravação dos Stones. Mas sem sucesso significativo e muito inferior ao “Come On” primeira gravação do Stones. A coisa explodiu mesmo para os Stones com “As Tears Go By” primeira composição de Jagger-Richards. “I Wanna Be Your Man” também acabou gravada pelos próprios Beatles, no álbum With the Beatles de 1963, cantada por Ringo, com discreto sucesso e apenas para compor o LP.
Há inúmeras situações de colaborações, de encontros profissionais ou sociais, que documentam e reafirmam esta proximidade dos integrantes das duas bandas, das quais algumas são mostradas neste post:
- Stephen Bailey, gerente da loja The Beatles Shop, em Liverpool, a cidade natal de John Lennon, confirma sobre audiência de Lennon e Jagger juntos. Os próprios Beatles teriam aparecido algumas vezes em sessões de gravação dos Rolling Stones durante os anos 1960.
- Um colecionador de disco de Londres, Tom Fisher é o detentor de uma rara “jam session” com John Lennon e Mick Jagger onde destaca-se um velho blues chamado “Too Many Cooks”. A própria casa de leilões Cooper Owen falou que John Lennon integrou a banda que acompanhou Jagger.
- Em 1962, os Beatles iam com frequência a Craw Daddy, casa de blues em Londres ver e encontrar com os Stones que tocavam na casa a algum tempo.
- Em 1966 o falecido Brian Jones fez backing vocal em Yellow Submarine.
- Tanto Mick Jagger quanto Keith Richards participam do happening da gravação da parte orquestrada de “A Day in The Life”, um caos sonoro gravado promovido por John Lennon nos estúdios da EMI. Isto ocorreu em 1967 o ano mais criativo das duas bandas.
- John e Paul participaram dos backing vocals de “We Love You” canção do album “Their Satanic Majestic Request” dos Stones também de 1967.
- Ainda neste ano Brian Jones tocou saxofone em You know My Name (Look Up The Number) e Jagger fez o refrão de Baby Your A Rich Man com John e Paul.
- Paul e Mick são flagrados num mesmo trem onde embarcavam para a India para ver o guru Maharishi Mahesh Yogi.
- Em 1968, os Stones produziram o filme Rock and Roll Circus. por onde desfilaram vários astros do rock, John Lennon cantou Yer Blues, do Álbum Branco, com a Dirty MaC, banda improvisada por Lennon, Eric Clapton, Mitch Mitchell (baterista de Jimi Hendrix) e o Stone Keith Richards no baixo.
- Na gravação ao vivo de All You Need Is Love, Jagger junta-se ao coro.
- John Lennon e Paul McCartney fizeram backing vocals nas faixas “Sing This All Together” e “She’s A Rainbow” do album “Their Satanic Majestic Request” dos Stones .
- Keith Richards dirige e produz com o apoio do engenheiro de som Glyn Johns, “The Aranbee Pop Symphony Orchestra com hits dos Stones, Beatles e outros nomes do pop/rock.
- Vale lembrar que uma das mais claras provas de proximidades das bandas é que na capa de Sgt. Peppers, os Beatles colocaram um personagem com a seguinte inscrição na blusa: “Welcome The Rolling Stones”. Em retribuição, os Stones colocaram na capa do álbum Their Satanic Majestic Request as fotos dos quatro Beatles, pequenas, em meio a flores e outros motivos psicodélicos da capa.
- John Lennon já fora dos Beatles esteve em consultoria com Mick Jagger antes da gravação do álbum Rock´n´Roll que seria lançado em 1975.
Nos anos que se seguiram após o fim dos Beatles, ainda há registros de encontros entre os Stones e o que sobrou do Beatles. Na prática como já mencionado as bandas foram sempre muito próximas e certamente muita troca de experiências ocorreu. A vida pessoal e profissional dos Beatles e dos Rolling Stones foi sempre pontuada por vários encontros profissionais ou sociais. A proximidade era tanto que para não prejudicar nem uma nem outra, as bandas chegavam a combinar as datas de lançamento de seus álbuns, segundo descobriu a revista britânica Mojo.
Algumas cenas da presença de Beatles e Stones juntos dos anos 60 aos dias atuais
Nos dias de hoje se há competição ela se dá entre o lindo cadáver de nossa lembrança (Beatles) e a máquina que desafia as previsões da idade e da rentabilidade (Rolling Stones), que acumulam uma riquíssima produção pop.
A história prova portanto, que as duas bandas cumpriram e cumprem seus papéis no cenário musical e de negócios de entreterimento, e aqueles que não conseguem se enquadrar na famosa letra “Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones…”, preferindo uma ou outra banda estará cometendo injustiças.
Vida longa aos Beatles e aos Stones.
Bibliografia/Fontes:
- Carr, Roy – The Rolling Stones, An Illustrated Record, New English Library – London 1976
- Mitchell, James A. – John Lennon em Nova York – Os anos de revolução, Ed. Valentina – 2014
- Manrique Diego A. – Beatles e Stones contra os clichês, El Pais – 09/10/2014
- DeRogatis, Jim & Kot, Greg – The Beatles vs. The Rolling Stones – Hardcover 16/10/2010
Amaral, muito legal. O marketing mais uma vez mostrou sua força. O importante é que tivemos a oportunidade de conviver com musicas da mais alta qualidade.
Um abraço
Amaral,
Era isto mesmo, marketing. Ambos foram bem sucedidos na mesma época e ficaram ricos. Tinha público para todos.
Eu gostava mais dos Beatles.
Bom final de semana e Paz. Pimenta
Só quem viveu naqueles anos pode entender o que aconteceu com estas duas bandas. Legal o revival que nos deu / san
Que deliciosa lembrança – fantástico post. Muito legal cara – Julio
Amaral, muito legal esta matéria dos Beatles e os Rolling Stones.
Abs, Alan