O feriado de Corpus Christi de 1808, teve uma comemoração um pouco diferente das outras vezes. Nos tempos coloniais, os hábitos eram bem diferentes do atuais. O Corpus Christi daqueles tempos era o dia santo mais comemorado pela sociedade, envolvendo tanto civis como militares. Como a Igreja estava ligada ao Estado, eram os governantes das Capitanias do Brasil que coordenavam as festividades, tendo eles o duplo papel de governadores e capitães-generais, pois governavam e comandavam as forças de segurança ao mesmo tempo.
O ponto alto dos festejos eram as procissões e verdadeiros desfiles militares. Por onde elas passavam, todos os moradores eram obrigados a caiar suas casas, os muros, a enfeitar janelas e a ornar o chão com flores e folhas. Tudo era festa. Só que numa dessas grandes paradas, naquele ano, os católicos que saíram às ruas de São Paulo viram a comemoração se transformar em pesadelo. Um pesadelo que atingiu cruelmente principalmente os mais humildes.
O príncipe regente D. João, futuro D. João VI, acabara de chegar no Brasil. Tinha fugido de Portugal depois que seu país fora invadido pelas tropas do imperador Napoleão Bonaparte, da França. Em represália, o futuro rei de Portugal ordenou que a Guiana Francesa fosse anexada ao mapa brasileiro. Em seguida, resolveu invadir a Província Cisplatina, ou Banda Oriental, como era conhecido o Uruguai, então parte integrante do Vice-Reinado do Prata. Pior para os paulistas, pois D. João decidiu que a maior parte da tropa que combateria os uruguaios seria recrutada em São Paulo.
O governador e capitão-general de São Paulo, Antônio José de Franca e Horta, foi incumbido da missão quando viajou a Capital Federal na época (Rio) para cumprimentar a família real fujona. Ele resolveu, então, fazer o recrutamento compulsório nas comemorações do Corpus Christi, que atraíam moradores de toda a Capitania. Para garantir um fluxo ainda maior de fiéis, Franca e Horta resolveu organizar a mais deslumbrante festa de que se tinha notícia em São Paulo.
Foi um sucesso. Terminada a procissão, as autoridades convidaram a população para dar sequência aos festejos na praça do Palácio do Governo, no Pátio do Colégio. O povo caiu na armadilha. De repente, surgiram tropas de infantaria fechando os becos que conduziam à praça, bloqueando todas as saídas, e postando-se também nas portas das casas, para que ninguém tentasse pedir refúgio aos seus moradores.
Franca e Horta, que governou São Paulo de 1802 a 1811, contemplava da janela do palácio o desespero da massa que, de um momento para o outro, se viu entre a “cruz e a espada”, literalmente.
Todos os homens recrutados à força de baionetas foram levados para o pátio do quartel, ali próximo, no parque D. Pedro II. Lá, passaram a noite toda, suportando o frio que já começava a se manifestar naquela época do ano.
No dia seguinte, houve uma inspeção de todos os sequestrados e só foram excluídos do recrutamento os idosos e deficientes físicos. Os demais foram imediatamente alistados na Legião de São Paulo, receberam uniformes e começaram a ser treinados no manejo das armas para seguir rumo ao Sul. Em outras localidades da Capitania, autoridades instruídas por Franca e Horta aplicaram golpes semelhantes na festa do Corpus Christi, usando de todos os meios para recrutar o máximo de indivíduos para enfrentar os platinos. Tudo com a complacência da igreja, então uma das “donas” da festa religiosa.
Não se esqueceram nem de recrutar todo tipo de vagabundo, para elevar o contingente. Naqueles tempos, aliás, não era um bom negócio ser vadio, pois este não tinha o direito de ir e vir, como é assegurado hoje pela Constituição. As autoridades policiais viviam de olho neles e quando havia faltas na tropa botavam-lhes uma farda e os mandavam para a linha de frente.
Nos diferentes pontos da Capitania, onde já não havia mais vadios para serem recrutados, foram utilizados trabalhadores da lavoura, indústria e outras atividades produtivas. O resultado foi a escassez de mão-de-obra para a produção, com a consequente queda nas atividades econômicas. Muitos povoados da Capitania, depois Província de São Paulo, entraram num processo de estagnação.
Sonho antigo
Anexar o Uruguai ao Brasil era um sonho antigo dos portugueses, mas foi D. João que decidiu levar esse projeto à frente, a qualquer preço. Três anos depois do recrutamento forçado no dia de Corpus Christi, a Legião de São Paulo foi ao Sul para ajudar os espanhóis, que tentavam a todo custo conter a independência do Uruguai. Nessa ocasião, a ação dos paulistas se limitou a travar algumas escaramuças com os uruguaios.
Em 1816, Portugal invadiu novamente a Banda Oriental, desta vez para defender unicamente seus interesses. A Legião de São Paulo se destacou nas batalhas de Yapeju, Ibirocaí, Carumbé e Arapeí-CataIhão. Um de seus grandes nomes foi o major Diogo Arouche de Morais Lara, que acabaria morrendo em São Nicolau, nas Missões, em 1819, ao tentar tomar a praça ocupada pelos homens de José Artigas, o herói da independência do Uruguai.
Os uruguaios foram esmagados na batalha de Taquarembó, em 22 de janeiro de 1820, e seu território acabou sendo anexado ao Brasil, passando a se denominar Província Cisplatina. A Legião de São Paulo lutou em todas as batalhas daquela guerra, fornecendo contingentes superiores aos de outras províncias, inclusive ao do Rio Grande do Sul, cujo território vivia sendo invadido pelas tropas de Artigas. Nesses confrontos, muitos paulistas recrutados na marra por Franca e Horta e outros voltaram mutilados.
Entre 1825 e 1828, quando os uruguaios travaram a guerra de sua independência, mais soldados de São Paulo foram convocados para lutar contra as tropas do general Artigas. A campanha militar, entretanto, não era vista com bons olhos pela população brasileira, o que contribuiu para a renúncia de D. Pedro I, o fundador do Império, em 7 de abril de 1831. Três anos antes, em 1828, o Uruguai havia conquistado a independência.
Lutas Seculares
Portugal e Espanha disputaram a posse de terras na América do Sul, incluindo o Uruguai, desde o início do século 16. Em 1494, os dois países firmaram o Tratado de TordesiIhas, que estabeleceu uma linha imaginária, a 370 léguas a oeste do arquipélago de Cabo Verde, como suas fronteiras de ocupação no Novo Mundo e tudo o que estivesse a Oeste seria espanhol; tudo o que estivesse a Leste, português. Depois do descobrimento do Brasil, contudo, os lusitanos perceberam que tinham feito um péssimo negócio, pois o meridiano de Tordesilhas cortava o Brasil pela metade, de Belém a Laguna (SC). Decidiram, então, ignorar o acordo com os espanhóis.
As lutas começaram com os bandeirantes, desde Santa Catarina até o Uruguai, e mais para o interior do continente. Como o Uruguai parece um prolongamento natural do Brasil e aquela região havia sido explorada inicialmente por navegantes portugueses, a coroa lusitana se apressou em implantar um posto avançado à margem esquerda do rio da Prata, fundando Colônia do Sacramento, uma iniciativa de D. Manuel Lobo, em 1680.
Os espanhóis baseados em Buenos Aires não tardaram a reagir, fundando Montevidéu, em 1726. Em consequência de conflitos e tratados diversos entre os dois países, Colônia do Sacramento passou das mãos dos portugueses para as dos espanhóis, e vice-versa, até que a região dos Sete Povos das Missões, hoje território gaúcho, foi entregue aos portugueses, em 1750, em troca do enclave luso no Uruguai. Os índios das Missões, catequizados pelos jesuítas, se recusaram a sair e então exércitos dos dois países se uniram para massacrá-los. Depois, entretanto, os espanhóis retomaram as Missões.
As disputas prosseguiram até as guerras napoleônicas, no final do século 18 e início do seguinte, quando as colônias espanholas da região do Prata vislumbraram a chance de se tornar independentes. Em 1810, quando Napoleão Bonaparte prendeu o rei da Espanha, Carlos IV, pai de Carlota Joaquina, o Vice-Reinado do Prata declarou sua independência, dando início a uma série de conflitos que só terminaria quase 20 anos depois.
O pequeno Paraguai foi o primeiro a se tornar independente, em 1811. Em 1816, foi a vez da Argentina. No Uruguai, o processo foi mais demorado. Seu condutor foi o general José Artigas. Hábil militar e político, ele teve de combater espanhóis, portugueses, brasileiros e até os argentinos, que, apesar de terem ajudado os uruguaios, sonhavam em anexar seu território. Os conflitos só chegaram ao final em 1828, quando o Uruguai conquistou sua independência. Além de terem surrado todos seus adversários, os uruguaios contaram ainda com o apoio da Inglaterra, que tinha grandes interesses na região e defendia a criação de um Estado-tampão entre Brasil e Argentina.
Embora o título do post seja uma frase popular muito usada, de origem na Idade Média quando ocorreu o período da Inquisição, ou “Santa Inquisição”, que tratava-se um tribunal religioso comandado pela igreja católica, que prendia, julgava e geralmente executava os hereges, e os não cristãos, fanatismo que percorreu quase toda a Europa e o oriente médio, “convertendo” por bem ou por mal os não cristãos, e queimando os “bruxos”, a frase teria seu significado de quem não se convertesse à cruz, tinha que encarar o fio da espada. Aceitar a cruz, significava a conversão e a outra opção seria a espada.
Esta expressão chegou até os nossos dias e é utilizada quando uma pessoa está diante de um dilema, de uma situação muito difícil onde é “necessário uma decisão”, mas os paulistas daquele período colonial já eram cristãos e assim eram aceitos mas tiveram que encarar sem escolha nenhuma as espadas governamentais para serem recrutados para a guerra. Vale portando o mesmo dito popular: “Entre a cruz e a espada”….compulsoriamente ambos…
Bibliografia/Fontes:
- Schwarcz, Lilia Moritz – As barbas do Imperador, Companhia da Letras – 1998 – São Paulo.
- Wegner, Felipe Henrique – A Mobilização Militar Catarinense na Guerra do Paraguai, UFSC – 2010 – Florianópolis
- Alves, Odair Rodrigues – Entre a cruz e a espada, JÁ Diário Popular #30 – 1997 – São Paulo
- Ilustração inicial: Clauber Sousa
É sempre bom ler os seus posts. Instrutivos e esclarecedores, de histórias que nem sempre se contam. Parabéns!