Quando se é questionado sobre fábrica de aviões no Brasil, o único nome que vem é da Embraer, certo ?
Fundada em São José dos Campos, em agosto de 1969, a Empresa Brasileira de Aeronáutica, porém não é aqui o inicio de tudo, pois 29 anos antes da Embraer, foi fundada pelo empresário e playboy paulista Francisco “Baby” Pignatari, uma indústria de onde saiu os famosos CAP-4 Paulistinha, que revolucionaram os céus do País e serviram como escola para novos pilotos durante décadas. Pignatari é o pai do paulistinha, e considerações históricas o elegem como o construtor da primeira indústria real de aviões, já que até então teriam existido galpões e oficinas modestas, para fabricação de aeronaves como planadores, monomotores muitos dos quais experimentais,e outros montagens de aparelhos trazidos de fora do país, mas uma indústria mesmo com movimentação de um parque industrial para produção, só ocorreu mesmo com o empresário Pignatari.
Nesta parte histórica e embrionária de aeronaves, antes mesmo de fabricar aviões em série, Pignatari participou da construção de dois protótipos experimentais, Petróleo e Café, projetados na Capital paulista pelo italiano L. Bresciani e concluídos em 1939.
As duas aeronaves mostraram-se falhas, pois tinham um motor americano de 4 cilindros com insuficientes 140HP de potência, mas causaram grande curiosidade entre o público quando expostas numa feira industrial.
Pignatari optou por desmontá-los, com a intenção de avaliar os seus defeitos e eliminá-los. Preparava-se para entrar, de uma vez por todas, em um negócio que, dadas as circunstâncias da época, aparentava ser uma temeridade: a construção em série de aviões no Brasil, que ainda nem contava com uma indústria de base suficientemente desenvolvida.
O trunfo do empresário era o seu próprio grupo, composto por um complexo de indústrias situado em Utinga, na cidade de Santo André, Região do ABC. Lá estavam, por exemplo, a Companhia Brasileira de Zinco, as Indústrias Brasileiras de Máquinas, a Alumínio do Brasil e a Laminação Nacional de Metais. Em conjunto com outros empreendimentos de Pignatari, essas empresas empregavam cerca de 5 mil funcionários.
Foi justamente na Laminação Nacional que se iniciou, em 1940, a fabricação do planador Alcatraz, cópia do modelo alemão Grunau Baby e dois anos depois, a do Saracura, planador projetado no País pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT), que vendera a patente da aeronave para Pignatari.
Graças ao sucesso obtido, o empresário decidiu criar a Companhia Aeronáutica Paulista (CAP), que receberia apoio das demais empresas do conglomerado, produtoras de tubos, chapas, peças metálicas usinadas e instrumentos de diversos tipos, contando também com pessoal especializado para trabalhar no novo empreendimento, usando portanto toda a “expertise” de um parque industrial para a produção aeronáutica.
“Asas brasileiras para os céus brasileiros” era o lema da CAP, que seria, diga-se de passagem, razoavelmente cumprido. O primeiro passo da empresa foi adquirir o protótipo e os direitos de fabricação de um modelo já existente, o EAY-201 Ypiranga.
A aeronave foi re-projetada por uma equipe do IPT encabeçada pelo engenheiros Clay Presgreave do Amaral, Romeu Corsini e Adonis Maitino, e entrou em produção em 2 de abril de 1943, 310 dias após a compra do projeto, o empresário ou rebatizou de CAP-4 Paulistinha.
Daí em diante, os engenheiros de Pignatari passaram a desenvolver novos projetos, como os CAP-1, CAP-2 e CAP-3. O primeiro deles foi o último avião a ser desenhado por Clay, que morreria num acidente ferroviário. Apresentava deficiências na estabilidade lateral e um erro na posição do motor, um Franklin americano, de 90 HP, em relação ao centro de gravidade do aparelho. As falhas foram posteriormente corrigidas, transformando o CAP-1 Planalto num aparelho bastante dócil.
O primeiro protótipo, entretanto, recebeu mais alterações, com o objetivo de baratear a produção em série. O engenheiro Jorge Rocha Fragoso mudou o desenho da fuselagem e reforçou a estrutura da aeronave, além de efetuar outros acertos, deixando o CAP-1 Planalto mais robusto, pesado e difícil de pilotar.
Ficou conhecido como “avião dos 130″, pois tinha de decolar, voar e pousar a 130 km/h. Se o piloto reduzisse a velocidade, o avião costumava virar o dorso perigosamente.
Com tantos defeitos, o CAP-1 Planalto tornou-se uma verdadeira pedra no sapato do Grupo Pignatari. Foi produzido em pequenas quantidades e seu projeto teve de voltar para a prancheta. Parte do fracasso deveu-se ao Ministério da Aeronáutica, que estipulou o motor Franklin 130, demasiadamente fraco para uma aeronave mais pesada e com menor sustentação aerodinâmica do que o protótipo que a antecedera.
A reformulação do Planalto ficou a cargo do engenheiro Oswaldo Fadigas, formado pelo conceituado Massachusetts Institute of Technology (MIT), dos Estados Unidos. Ele fez um bom trabalho. Entre outras alterações, providenciou um “enchimento” de alumínio no encaixe das asas dos CAP-1 Planalto, eliminando assim a turbulência que se formava naquele ponto da fuselagem, durante as aterrissagens, e incidia diretamente sobre a superfície do leme horizontal, reduzindo a eficiência dos comandos.
As modificações não comoveram as autoridades competentes, razão pela qual o agora “Tufão” nunca foi produzido em série. Ainda assim, impressionou os pilotos que o conheceram. Conta a lenda que, certo dia, um paranaense, acostumado a pilotar os péssimos CAP-1 Planalto, visitou a Companhia Aeronáutica Paulista e, ao ver um Tufão, perguntou: “Que avião é esse?” Disseram-lhe, em tom de brincadeira, que se tratava de um Planalto. O sujeito começou a esbravejar:
“Vocês mandam ao Paraná aviões defeituosos e guardam os bons para uso próprio!” Só sossegou quando lhe explicaram que aquela era uma versão muito modificada do Planalto.
Ascensão e queda:
O fiasco do CAP-1 Planalto e o veto oficial ao Tufão foram compensados com o sucesso do CAP-4 Paulistinha.
Além do bom projeto, que lhe garantia boa maneabilidade e preço acessível, o avião foi beneficiado pelo suporte oferecido pela Companhia Nacional de Aviação (CNA), surgida em 1941 para reequipar aeroclubes e formar pilotos. Com o apoio do presidente Getúlio Vargas e dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, o movimento obteve grande êxito, embora tenha sido marcado por denúncias de corrupção, desvio de verbas e até mesmo chantagens, sobretudo com comerciantes alemães e italianos, cujos países de origem, na época, estavam em guerra com o Brasil.
Alavancadas pela CNA, as vendas do Paulistinha decolaram. As encomendas atingiram tamanha proporção que o Grupo Pignatari, no ano de 1943, chegou a construir uma aeronave por dia, uma marca invejável que só seria batida pela Embraer 30 anos depois.
Na verdade, foram produzidos três tipos de Paulistinha: CAP-4A (777 unidades), CAP-4B (2 unidades) e CAP-4C (l unidade). A maioria dos CAP-4A foi vendida para aeroclubes brasileiros, mas cerca de 20 monomotores foram exportados para países como Estados Unidos, Argentina, Chile, Uruguai, Portugal e Itália.
O fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, pôs fim à euforia. O Ministério da Aeronáutica cortou o apoio financeiro à CNA, optando por comprar a preço de banana, dos Estados Unidos, aviões modernos usados no conflito. Começava a agonia da CAP, que em 1947 demitiu seus três últimos engenheiros: Otávio de Souza Ricardo, que foi para a Inglaterra, Plamed e Taliberti. O último da lista, o desenhista finlandês Erkki Keijo Khalervo Bohm, convidado duas semanas antes do fechamento da CAP, foi dispensado dias depois de chegar a São Paulo. Nem foi contratado.
A produção do Paulistinha foi interrompida em 1948, quando ainda havia na CAP componentes para montar mais 120 aeronaves. O material foi adquirido pelo industrial José Carlos de Barros Neiva. Até julho de 1965 por exemplo, os CAP-4 registrados já haviam voado 1.107.918 horas no País, o suficiente para treinar 20 mil pilotos civis, em várias gerações comprovando assim toda a versatilidade desses jipes aéreos que ainda podem ser vistos nos céus do Interior paulista. Em 1955, a Neiva adquiriu os direitos de fabricação da aeronave, lançando uma versão batizada de Paulistinha 56 ou Neiva 56. A Força Aérea Brasileira operou a versão Neiva desta aeronave entre 1959 e 1967.
Este modelo continua muito utilizado ainda nos dias de hoje para instrução e cursos de pilotagem, em vários aeroclubes do Brasil.
São Paulo decola:
Existiu uma troca de gentilezas nesta época. Assim como o brasileiro Santos Dumont encantava os parisienses ao sobrevoar a capital francesa abordo de seu “Demoiselle”, o francês Demetre Sensaud de Lavaud tornava-se o primeiro homem a ganhar os céus de São Paulo e do Brasil com um veículo mais pesado do que o ar. O feito foi realizado em Osasco, às 5h50 de 7 de janeiro de 1910, quando a aeronave “São Paulo” cobriu 103 metros em cerca de seis segundos, voando a “altitudes” que variaram de 2 e 4 metros. Posteriormente este feito também foi considerado como primeiro “vôo” da América Latina.
A máquina de Sensaud era um frágil monoplano. Tinha motor de ferro fundido, usinado na Capital e sua estrutura era de sarrafos de pinho e peroba, com asas cobertas por crepe envernizado. O “São Paulo” e seu inventor causaram sensação entre os paulistas, ficando a primitiva aeronave exposta por um bom tempo no saguão do cinema Polytheama, no Centro da Capital. Depois de algum tempo Demetre, que era filho do então famoso industrial Evaristhe Sensaud de Lavaud, vendeu o “São Paulo” para um desconhecido, que acabou se acidentando e morrendo no avião.
Mas destas remotas iniciativas e persistência, nasceu a indústria aeronáutica brasileira, internacionalmente reconhecida, que tem na linha de frente a nossa Embraer.
Bibliografia/Fontes:
- Centro Histórico Embraer
- Fundação Santos Dumont
- Foto EAY-201 Ypiranga – © Renato Spilimbergo Carvalho, Airliners.net
- Museu da TAM
- Ferraresi, Rogério – Asas brasileiras, JÁ-Diário Popular – São Paulo, Janeiro 1998
Que saudade !
Solei no Aeroclube de Jundiaí, no Paulistinha P-56 de prefixo PP-GUV na década de 70.
Havía outro P-56, prefixo PP-GTA.
Excelentes aeronaves. O instrutor era o Zequinha, que me ensinou a voar.
Parabens ao Presidente do Aerocube de Itápolis, pelo filme, muito bem feito.
W. Rady.
Amigos, antes de trabalhar na Xerox, na época Indústrias Xerográficas, trabalhei por 3 anos na Embraer, saí assim que o lote piloto ( 5 aeronaves) do Bandeirantes iniciou testes de campo.
Naquele período os militares ocupavam tudo, desciam de paraquedas, aí saí. Mas antes da Embraer, existiu a Neiva, uma pequena fábrica em S. José dos Campos, depois encampada pela Embraer. Se não me engano, o Tucano é desdobramento de projetos da Neiva. Quantos sonhos, quanto orgulho, parece que foi ontem, lá se vão 44 anos! Não há como evitar o retorno no tempo quando entro numa moderna aeronave Embraer.
Amaral, o triste dessa história toda é que poucos se preocupam com essas histórias.
Parabéns por estar sempre resgatando essas passagens.
Abs.
Lima
Amaral,
Esta historia faz lembrar do filme “O Aviador” estrelado por Di Caprio que trata de vida de um excêntrico milionário Americano aficionado por aviões.
Acredito que este também daria um excelente filme no grande estilo Hollyodiano.
Abraços,
No Aeroclube de Pernambuco, em Recife, fiz treinamento de piloto privado em P56-C
Boa reportagem, Amaral. Eu desconhecia totalmente essa história.
abs, Vera
Amaral,
grande reportagem!! Maravilhosa!!! Isso é resgatar a cultura e a história do país!!
Parabéns,
Navarro
Como sempre: SHOW!!!! Valeu.
Fuka
“A Companhia Aeronautica Paulista, que fabricava o CAP-4 ( não era conhecido como Paulistinha que passou a ter esse nome mais difundido quando a Neiva comprou o projeto, o modificou, vindo a se chamar de Neiva P-56C Paulistinha ) foi uma das pioneiras da aviação geral no Brasil. Havia diferenças entre o CAP-4 e o P-56C; o primeiro, com motor Franklin de 65 hp e o segundo com motores ou Continental C-90 de 90 hp ou Lycoming de 85 hp.Voei os dois tipos e o P-56C era, ou é , bem mais potente, equilibrado de de fácil manutenção.O CAP-4 era um pé-de-boi. Esses, de fato formaram muitos pilotos nos aeroclubes brasileiros.”