Nos dias atuais, em que estranhamos investidas para calar a imprensa, decisões judiciais em favor de todos tipos de pilantras e malandros, tentativas de ações ditatoriais para fazer da mentira a verdade absoluta, há que se relembrar daqueles de cairam defendendo os valores mais puros e verdadeiros da liberdade e democracia…..
Num episódio que contribuiu para a renúncia de Dom Pedro I, o jornalista Libero Badaró ardoroso defensor dos ideais liberais, foi assassinado por três capangas do ouvidor Candido Ladislau Japiaçu
Na antiga rua Nova São José (atual rua Libero Badaró), onde ocorreu o assassinato do jornalista e ativista liberal, estudantes de direito do Largo São Francisco marcharam numa passeata silenciosa em protesto contra o autoritário regime monárquico
Morre um liberal, mas não morre a liberdade”. Foram essas as últimas palavras do jornalista italiano João Batista Libero Badaró, que morreu baleado na rua de sua casa, antiga Nova São José, atual Libero Badaró, no centro de São Paulo. Proprietário do jornal Observador Constitucional, que defendia idéias liberais e se opunha ferrenhamente ao reinado de Dom Pedro I, ele, que tinha apenas 32 anos, foi assassinado por três alemães a pedido do ouvidor Cândido Ladislau Japiaçu, em 20 de novembro de 1830.
Em 1829 quando fundou o jornal periódico “Observador Constitucional” denunciava os desmandos e excessos cometidos pelos governantes. Já no primeiro dia de circulação, escreveu: “Não devia vegetar no Brasil a planta do despotismo”.
Principal autoridade judiciária da Comarca de São Paulo, o ouvidor Japiaçu era notório inimigo político de Badaró. Ele concluiu que tinha de eliminar o jornalista quando em 3 de outubro daquele ano, chegaram ao Brasil as notícias da Revolução de 28 a 30 de julho, na França. Três jornadas liberais forçaram a renúncia do rei absolutista Carlos X. Na Capital do Estado, as comemorações pela queda do monarca foram comandadas por Badaró.
Exaltados, os federalistas e liberais celebraram, iluminando suas casas e em manifestações de rua. Os estudantes da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, aberta em 1827, saíram pela cidade em silenciosa passeata, provocando a ira de Japiaçu. Ele alegou crime contra a ordem pública e reprimiu os protestos processando alguns estudantes e prendendo outros.
O Observador Constitucional, jornal de Badaró, não deixou o ato do Ouvidor passar em branco. Publicou um artigo atacando de frente Japiaçu, afirmando que o ouvidor estava praticando atos inconstitucionais e repressivos. Foi apoiado pela opinião pública e até por parlamentares.
Frio e vingativo, Japiaçu esperou que as manifestações pela queda de Carlos X esfriassem e armou o assassinato do jornalista. Para isso, contratou três capangas: Henrique Stock, João Nicolau Dieterich e José Paschoal, que moravam na colônia alemã em Santo Amaro, fundada em 1828.
Na noite de 20 de novembro de 1930, Dieterich aproximou-se de Badaró quando este voltava da casa de um amigo onde jogara uma partida de voltarete, jogo de cartas popular da época. Disse que queria publicar uma correspondência contra o ouvidor no Observador Constitucional. Badaró respondeu que já era tarde e pediu ao rapaz que voltasse no dia seguinte, para o material ser examinado. Paschoal ficou observando o movimento, enquanto Stock, de revólver em punho, aproximou-se do jornalista e deu o recado: “A correspondência do Doutor Japiaçu é esta…”. Disparou em seguida.
O assassinato de Badaró provocou revolta na cidade. Inconformada, a população clamou pela prisão dos assassinos. Em 22 de novembro, a Polícia conseguiu prender Paschoal. Depois de algumas dicas do próprio, colocou as mãos em Stock e Dieterich. Os três confessaram que praticaram o assassinato a mando do ouvidor Japiaçu, que também começou a ser procurado.
O corpo de Libero Badaró, o mártir dos liberais brasileiros, recebeu seu jazigo no interior da Igreja do Carmo, no centro de São Paulo
Com medo da revolta popular, o ouvidor se escondeu na casa do comandante Oliva, responsável pelo arsenal do Império em São Paulo. O povo descobriu e cercou a casa, munido de facas, bacamartes e paus, exigindo Justiça. As autoridades elaboraram, então, um plano para mandar Japiaçu ao Rio de Janeiro, para ser julgado.
O Conselho do Governo da Província, do qual fazia parte o padre Diogo Antônio Feijó, que mais tarde foi regente do Império, inventou para a população que os alemães de Santo Amaro estavam em frente à prisão tentando libertar os assassinos. O povo correu à penitenciária, enquanto o padre Feijó tratou de enviar o ouvidor ao Rio.
Em 18 de junho de 1831, Japiaçu foi julgado pelos seus pares do Tribunal da Relação e acabou absolvido. Em São Paulo, a Junta de Justiça condenou Stock à prisão perpétua e absolveu Dieterich. Paschoal foi preso como cúmplice, mas colocado em liberdade no mesmo ano da morte de Badaró. Levado para o Rio de Janeiro, Stock foi julgado novamente e absolvido pelo mesmo Tribunal da Relação, que colocou Japiaçu em liberdade.
A farsa armada nos tribunais custou caro ao Império. O crime e a impunidade de Japiaçu e seus três capangas transformaram Libero Badaró no grande mártir dos liberais brasileiros e fomentaram a oposição ao governo imperial. Poucos meses depois da morte do jornalista, em 7 de abril de 1831, o impopular Dom Pedro I renunciava indo com a família para Portugal, deixando o reino em favor de seu filho, Dom Pedro II, de apenas 5 anos, seguindo a regra da monarquia, mas não deixando de ser um ato de nepotismo sem precedentes .
Rua Libero Badaró em 3 momentos: Em 1900 o sangue do liberal parecia ainda presente na rua, em 1946 já há uma lembrança modesta do epsódio e nos dias atuais a modernidade da cidade a faz uma rua comum, sem que se lembre da ´trágica cilada e assassinato da liberdade!.
A contribuição de Líbero Badaró para a defesa da liberdade de expressão vai além da tragédia pessoal. É seu um dos primeiros escritos publicados no Brasil em defesa da liberdade de imprensa, refutando sempre a tese de que os abusos praticados pela imprensa justificariam o cerceamento da liberdade. Veja em Liberal de berço.
D.Pedro I, poderia ter sido mais uma vez um grande oportunista em causa do país, antecipando a proclamação de um regime Liberal, tal como foi visionário ao se recusar a voltar a Portugal e proclamar a independência anos antes, e fazer mais uma vez história, ao invés de calar as idéias “modernas”, que já assolavam o mundo naquele final de século 19.
A república viria em poucos anos, e abraçaria por alguns instantes ideais liberais e democráticos de Líbero Badaró e muitos outros, que já aconteciam no mundo, mas não tardaria para se corromper, com ditaduras, obstrução da imprensa, assassinatos não punidos, farsas judiciais, e ciladas ideologicas e de regimes, que estão vivos e intensamente presentes até nos momentos atuais, apesar de muitos já terem tombados pela causa “libertas”. A herança é maldita !
Links relacionados:
D.Pedro I: Sucessão de Trombadas
Giovanni Battista Libero Badarò
Atualização e adaptação do texto de Bartira Betini (Revista Já-19/01/1997)
Luiz, muito interessante essa matéria. Mudam-se as pessoas e os tempos mais a impunidade desavergonhadamente continua.
Nelson