Nascido no Estado da Luisiânia, em 1936, Capitão Charles Chandler aparentava ser um sujeito pacato. Capitão do Exército americano, havia lutado um ano no Vietnã. Segundo algumas pessoas que o conheceram, interessava-se por tudo o que dissesse respeito ao Brasil, definindo-o sempre como “o País do futuro”.
A fixação teve início durante sua passagem na Academia de West Point, onde ele conheceu alguns oficiais brasileiros que por lá estagiavam. Em 1966, veio para São Paulo, trazendo a mulher, Joan Koteletz Chandler, e os três filhos. A filha mais nova do casal, Lou Anne, nasceria na Capital pouco tempo depois.
A decisão de morar no Brasil, segundo consta, foi tomada depois que ele ganhou uma bolsa da The George Olmsted Foundation, que resolveu patrocinar seus estudos na Escola de Sociologia e Política da Fundação Álvares Penteado (a mesma de FHC) que segundo consta era considerada um verdadeiro “ninho de subversivos e terroristas” pelo sistema de informação dos militares brasileiros.
Oficialmente, ele veio ao Brasil para aproveitando a bolsa da Olmsted, para aprimorar seus conhecimentos da língua portuguesa e assimilar a cultura e os costumes do povo brasileiro. Entretanto, segundo os guerrilheiros, Chandler era um “agente da CIA” e “encontrava-se no Brasil com a missão de assessorar a ditadura militar na repressão”
A “farsa” oficial não convenceu os militantes dos grupos de esquerda, cada vez mais decididos a tentar tirar os militares do poder à força, por sua luta de comunização do país.
A vingança não tardaria. Em 1968, os vizinhos do americano na rua Petrópolis, no bairro do Sumaré, começaram a notar a presença constante de um Volkswagen cor pérola na frente da casa do capitão. Algumas vezes, só com o motorista: outras com um ou dois passageiros.
Sempre em intervalos reduzidos de tempo, o carro parava em frente ao 375 da rua Petrópolis e seus ocupantes observavam, por alguns minutos, a casa e o movimento no local, para depois irem embora.
Os vizinhos chegaram a pensar que se tratava de assaltantes identificando um alvo.
Em 12 de outubro de 1968, concluíram que estavam errados. Às 8h35 daquele Dia da Criança, o motorista do Fusca estacionou seu carro e começou a conversar, agitado, com os demais ocupantes do veículo, até que um fato acabou por chamar-lhes a atenção: na garagem dos Chandler uma perua Chevrolet Impala 1965 — orientada pelos gestos de Darryl, o filho mais velho do casal — começava a movimentar-se.
O pai prometera ao garoto levá-lo à Festa do Texas, no parque do Ibirapuera.
Quando o Impala terminava de transpor o portão, em marcha a ré, dois homens saltaram do Volks — um deles portando uma metralhadora e o outro, um revólver — e foram direto para cima do capitão, que estava ao volante da perua. O menino, de 9 anos, ficou assustado e saiu correndo para avisar a mãe, que dentro da casa, tinham ouvido uma rajada de tiros e o arranque do Fusca, que partiu rumo à avenida Doutor Arnaldo. Alguns vizinhos anotaram as placas — 21-67-29 — e, em seguida, chamaram uma ambulância e a Polícia. Praticamente o fuzilamento ocorreu na frente da sua esposa Joan e seus 3 filhos.
Nada mais podia ser feito.
O capitão Charles Chandler já estava morto, crivado de balas. Desesperada, sua mulher trancou-se em casa com os filhos, ao mesmo tempo que chegava ao local o delegado Dario Barreto. Ele encontrou o corpo caído no banco do Chevrolet, ao lado de um exemplar do livro The Origin of the Communist Autocracy e de cópias de um panfleto, deixadas pelos assassinos. No texto, eles diziam pertencer a “tribunal revolucionário” que condenara um “agente imperialista notório e responsável pela prática de inúmeros crimes de guerra contra o povo do Vietnã”.
Ao observar aquele material, o delegado entrou imediatamente em contato com o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e com o Departamento da Polícia Federal. Pouco tempo depois, os delegados Fábio Motta Sampaio, do Deic, e Alcides Cintra, do Dops, comunicaram o assassinato do americano ao secretário da Segurança, Hely Lopes Meireles.
A próxima autoridade a chegar ao local do crime foi o delegado do Departamento de Polícia Federal, general Sílvio Correia de Andrade.
Ele ficou algum tempo na rua Petrópolis, fez algumas perguntas e depois voltou para seu gabinete, onde passou o resto daquele sábado em contato com Brasília.
Enquanto isso, o corpo de Charles Chandler era submetido a uma necropsia no Instituto Médico Legal. O exame revelou que o capitão havia recebido 11 tiros: 10 de metralhadora INA e um de revólver 38. Quase todas as balas da metralhadora atravessaram o corpo e foram alojar-se na porta do Impala. Dos 11 disparos, oito foram fatais, confirmando que a morte da vítima fora instantânea. O corpo foi devolvido à família e seguiu posteriormente para os Estados Unidos, onde foi sepultado.
Passados 44 anos depois do crime, a casa no número 375 da Petrópolis ainda conserva as paredes de tijolos à vista.
O engenheiro Pedro Gherardi, que já morava na rua naquele 12 de outubro de 1968. “Eu tinha uns 18 anos e estava voltando do Mackenzie, onde era primeiranista. Foi então que me avisaram que alguém havia sido assassinado.”
O relato de Pedro bate com a versão oficial. Segundo ele, Chandler estava caído no banco dianteiro do carro, com sua roupa toda perfurada pelas balas. “Se me lembro bem. havia centenas de cartuchos no chão. Alguns, inclusive, não foram deflagrados. Acho que uma das armas estava com algum problema”, recorda ele. A metralhadora usada, descobriu-se pouco depois do crime, fora roubada na Escola do Corpo de Bombeiros — num assalto que resultou na morte de um sentinela. Realmente estava com defeito, mas marcou o fim do carrasco.
Dulce de Souza Maia, conhecida pela alcunha de Judite, encarregou-se do levantamento do cotidiano do jovem oficial da US Army. O grupo de execução era constituído pelos terroristas Pedro Lobo Oliveira (Getúlio), Diógenes José de Carvalho Oliveira (Luis, Leonardo, Pedro) e Marco Antônio Bráz de Carvalho (Marquito). Todos passam muito bem, obrigado. Diógenes ingressou no PT do Rio Grande do Sul e foi presidente do Clube de Seguros da Cidadania de Porto Alegre, entidade que se encarregou de angariar fundos para o PT. Quartim de Morais consagrou-se professor da UNICAMP e Ladislas na PUC de São Paulo, com as bençãos e bolsas de indenização da anistia.
Já o Capitão Chandler foi promovido post-mortem na época, ao posto de Major e enterrado no Cemitério Militar da Academia Militar de West Point, com as devidas honras militares dos Estados Unidos.
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