O famoso roubo do cofre….

 

Em julho de 1969, guerrilheiros roubaram US$ 2,5 milhões deixados pelo ex-governador Adhemar de Barros com sua amante no Rio de Janeiro


Aquele não foi um roubo qualquer. A começar pela quantia, US$ 2,5 milhões depositados num cofre de 300 quilos.

O homem que reunira a fortuna? O ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros, morto quatro meses antes. Os ladrões? Guerrilheiros do grupo esquerdista VAR-Palmares, que lutava contra a ditadura militar. Mas o mais interessante é que não foi prestada queixa pelo sumiço da dinheirama. Foi como se ela nunca tivesse existido.

O Roubo do Cofre do Adhemar, como o episódio ficou conhecido, ocorreu em 18 de julho de 1969, dois dias antes de o homem pisar na Lua.

Naquela tarde, 12 militantes do VAR-Palmares invadiram a mansão do cardiologista Aarão Burlamaqui Benchimol, no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro.

Objetivo: colocar as mãos em um cofre, com dinheiro proveniente da “caixinha do Adhemar”, que fora guardado no local pela irmã do médico e ex-amante do folclórico político, Ana Gimol Benchimol Capriglione, conhecida nos círculos do poder como “Doutor Rui”. Os guerrilheiros sabiam muito bem o que estavam fazendo, pois planejaram a ação durante dois meses.

As informações sobre o caixa dois de Adhemar foram obtidas por Juarez Guimarães de Brito, o Juvenal, idealizador da Vanguarda Armada Revolucionária -VAR-Palmares, ainda em fase de implantação.

A fonte era quente: Gustavo Schiller, sobrinho de Ana e Aarão. O garoto estudava no Colégio Andrew, no bairro Botafogo, e comentou com colegas que o cofre com a “caixinha do Adhemar” estava guardado na casa onde morava com seu tio. A esquerda armada precisava de dinheiro, e Juarez achou que havia encontrado uma generosa fonte de recursos para financiar atividades armadas contra o regime militar. Auxiliados por integrantes do Comando de Libertação Nacional — Colina, que deram apoio intelectual e ajudaram na obtenção de informações, os dois grupos idealizaram e executaram a primeira ação da VAR-Palmares.

Para fazer o reconhecimento do terreno foi destacado Carlos Minc, então com 17 anos (Foi deputado estadual no Rio pelo Partido Verde, e Ministro de Lula); Minc se fez passar por pesquisador e saiu pelo bairro de Santa Teresa, de porta em porta, questionando os moradores sobre as novelas que assistiam, quantos televisores possuíam, e assim por diante.

Sem despertar suspeitas, conseguiu autorização para chegar aos aposentos dos Schiller, que dividiam o casarão número 2 da rua Bernardino Santos com a família de Aarão. Lá, Minc foi recebido por Gustavo, que respondeu a todas perguntas e até surpreendeu o militante disfarçado ao criticar as novelas. “Elas servem para alienar os brasileiros”, teria comentado o garoto. Enquanto a conversa rolava, Minc memorizava todos os cantos da casa, para depois desenhar um mapa.

O assalto foi marcado para 18 de julho de 1969. Às 15h daquele dia, três carros se aproximaram do casarão, escondido no alto de uma colina e cercado por muros altos. À frente, vinha um Chevrolet com cinco homens, entre eles Juarez Guimarães e João Domingos. Trajando ternos pretos e armados com metralhadoras, eles subiram a rampa de acesso à mansão e se identificaram como agentes da Polícia Federal. Logo atrás, outros dois veículos: um Aero Willys azul e uma Rural Willys, que transportavam outros seis militantes, também armados e disfarçados de policiais.

Ao porteiro, eles mostraram um mandado de busca e apreensão de “documentos contra o regime”. Intimidado, o funcionário liberou a entrada. Em seguida, os revolucionários obrigaram os serviçais, mais de 30 no total, a ir até a biblioteca e lá os deixaram trancados, em companhia de Sílvio Schiller, pai de Gustavo, que foi algemado. Foram, então, ao local onde estava o cofre: um closet ao lado do escritório do cardiologista, no primeiro andar.

O objeto tão desejado pelos militantes da VAR-Palmares estava embutido numa parede.

Com marretas, conseguiram arrancá-lo. Para descê-lo até o térreo da luxuosa mansão, superando os degraus da escadaria, os guerrilheiros levaram uma prancha comprida, imaginando que sobre ela passaria um carrinho de mão contendo o tesouro. Foi inútil. “A gente não imaginava que o cofre fosse tão pesado. Pelo menos pesava a uns 300 quilos. Ficamos até com dó, mas tivemos de jogá-lo escada abaixo, o que destruiu vários degraus, todos de mármore, daquela bela casa”, relembra Darci, que em 1997 chegou a ser assessor da secretaria da Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano e Rural de Bauru.

Com muita dificuldade, os 10 assaltantes levaram o cofre até a Rural Willys. Haviam passado os 30 minutos planejados para ação. “Com exceção do peso do cofre, tudo aconteceu como havíamos planejado”, conta Darci.

A bordo dos três carros, o grupo se afastou rapidamente e ainda contou com a “colaboração” dos moradores da mansão. Como os esquerdistas tinham se identificado como policiais, a Polícia só foi avisada do ocorrido no início da noite, quando o cofre do Adhemar já estava em Jacarepaguá.

No trajeto até o esconderijo, Darci, que era o responsável pela segurança do grupo, demonstrou muita presença de espírito e frieza. Quando a Rural parou num farol, no Centro do Rio, um policial estranhou o fato de o veículo estar arriado e comentou:

“O que vocês estão levando aí? Esse defunto está muito pesado!” Darci não deixou a peteca cair: “É que nós roubamos um cofre e estamos levando para abrir e ver o que tem dentro”. O policial acabou dando boas gargalhadas e liberou a passagem. “Na hora, foi a única coisa que me ocorreu para falar. Ainda bem que deu certo”, conta o ex-sargento.

Ao chegar a Jacarepaguá, os revolucionários estavam excitados para abrir o cofre e confirmar a informação sobre o dinheiro. Carlos Franklyn Araújo, o Max, (que se tornou deputado no Rio Grande do Sul pelo PDT), havia trazido de Porto Alegre o mecânico Jesus, conhecido por Mariozinho. O rapaz era um craque no manejo de maçaricos de acetileno e logo começou a trabalhar.

Quando Mariozinho terminou seu serviço, os militantes ficaram embasbacados. Realmente, era muito dinheiro, mais do que poderiam imaginar. “Todos queriam comprar cerveja e comemorar, mas eu disse que nossa missão ainda não tinha acabado. Precisávamos contar todos os dólares e guardá-los num lugar mais seguro”, relembra Darci Rodrigues.

Parte do dinheiro, segundo ele, foi distribuída para o trabalho de campo dos grupos clandestinos. O maior volume, contudo, saiu do Brasil. “A maior parte foi entregue à Embaixada da Argélia. Depois, fui para exílio, em diversos países, e não tive mais informações a respeito”, diz Darci, um ex-tucano que se tornou simpatizante do Partido Popular Socialista, o PPS.

Com a censura imposta pela ditadura, o assalto em Santa Teresa não teve muito destaque na imprensa, o que deu espaço para o surgimento de várias lendas.

Entre os grupos de esquerda, por exemplo, falava-se que a VAR-Palmares teria roubado apenas um dos muitos cofres de Adhemar, cuja “caixinha” somaria US$ 15 milhões. O irônico é que a versão apresentada por Aarão Burlamaqui Benchimol à Polícia foi a mesma usada pelos guerrilheiros para entrar na mansão. “Os ladrões desprezaram joias e objetos preciosos, pois queriam documentos comprometedores”, afirmou o cardiologista.


Texto de Outubro de 1997

Texto de Outubro 1997


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O País quer saber….

Ex-marido conta os detalhes….


Adaptação e atualização do texto original de Cláudia Teixeira-Revista JÁ 19/10/97

Updated: 03/07/2012 — 7:20 pm

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