O rei de São Paulo…

Em tempos em que uma ideologia retrógrada em implantação no país, tem gerado conflitos de classes e dividido o Brasil, emergem muitos ideais de separatismo, como o dos gaúchos, do Sul, do Nordeste e certamente de São Paulo.

Em 1641, o bandeirante Amador Bueno da Ribeira foi aclamado rei de São Paulo, mas recusou o título.

Em 1641, o bandeirante Amador Bueno da Ribeira foi aclamado rei de São Paulo, mas recusou o título.

No caso de São Paulo, saibam que não foi em 1932 que isto aconteceu, mas o que poucos sabem é que por pouco, não se transformou em realidade em 1641, quando o povo paulista chegou a aclamar um bandei­rante como seu rei.

O curioso episódio ocorreu logo depois de Portugal e o Brasil, por extensão, ter-se libertado de um período de seis décadas de domínio espanhol, de 1580 a 1640.

Naquele ano, o trono português foi ocupado pelo duque de Bragança, que se tornou D. João IV. A mudança deixou extremamente irritados os súditos da coroa espanhola no Brasil, que tinham até um partido por aqui. Eles começa­ram, então, a imaginar uma ma­neira de sabotar o domínio dos portugueses sobre a maior colônia do Novo Mundo.

Durante a chamada União Ibérica, os moradores da Capitania de São Vicente, principalmente da vila de São Paulo, puderam ampliar para dentro da América Espanhola (de acordo com o tratado de Tordesilhas) o território de livre atuação das entradas de buscar de riquezas, que inclusive atacavam missões dos jesuíticas. Nesse período também floresceu o comércio e o contrabando com a região do rio da Prata.

Uma ilustração do possível retrato de Amador Bueno.

Uma ilustração do possível retrato de Amador Bueno.

Os castelhanos tinham grandes interesses a defender no Brasil, especialmente em São Paulo, pois muito deles eram altos funcionários e não queriam perder seus empre­gos. Ainda assim, em 3 de abril de 1641 os paulistas reconheceram D. João IV como seu rei. Naquele dia, o verea­dor mais velho da Capital, Pau­lo do Amaral, arvorou o pendão de Portugal e exclamou: “Real, Real, Real por El Rei D. João, o Quarto de Portugal”.

Presentes à cerimônia, presidi­da pelo capitão-mor João Luís Mafra, estavam alguns dos mais famosos bandeirantes da história paulista, como Antô­nio Raposo Tavares, Fernão Dias Pais, Lourenço Castanho, João Raposo Bocarro etc.

Enquanto tudo isso ocorria, o partido espanhol tratava de trabalhar junto ao povo para convencê-lo a rejeitar os lusi­tanos, pois voltar ao domínio de Portugal, argumentavam os castelhanos, prejudicaria tam­bém os paulistas, que nos 60 anos, sob domínio da Espanha, puderam fazer contrabando à vontade com os espanhóis do Prata e do Peru. Naquele perío­do, os bandeirantes nunca en­frentaram problemas para pe­netrar pelas terras além do me­ridiano de Tordesilhas, já que toda a América do Sul tornara-se espanhola.

Voltando ao status quo anterior, os bandeirantes teriam problemas, pois o meridiano, que separava domí­nios portugueses e espanhóis, voltaria a ter utilidade.

Bons de lábia, os espanhóis trataram, também, de exaltar a vaidade dos paulistas, falando-lhes do arrojo que já haviam de­monstrado ao longo da sua his­tória, fazendo desse um povo tão grande como a sua própria terra etc. etc. Um povo valente, que não deveria ficar sob o jugo de ninguém, devia governar-se por si só. Por que não ser livre? Afi­nal, as tropas lusitanas não con­seguiriam chegar a São Paulo.

Bastava obstruir o porto de San­tos e a estrada de Paranapiacaba que os portugueses jamais chegariam ao Planalto.

O melhor era escolher um rei, argumentavam os membros do partido espanhol. E eles já ti­nham até um candidato ao tro­no: Amador Bueno da Ribeira, de 70 anos. Rico, ele era filho do espanhol Bartolomeu Bueno da Ribeira e cunhado dos ir­mãos Mateus e Francisca Rendon de Quevedo.

Ambos eram fidalgos e tinham vindo para o Brasil, em 1625, na armada cas­telhana que expulsou os holan­deses da Bahia. Em síntese: Amador Bueno era “confiável” e, em função da idade, poderia ser facilmente manobrado.

A argumentação dos caste­lhanos teve boa acolhida en­tre o povo, que não tardou a dar uma banana para os por­tugueses. A aclamação de Amador Bueno se deu num dia e mês incertos do ano de 1641. Nem mesmo Pedro Calmon, um dos mais recentes autores de uma volumosa His­tória do Brasil, conseguiu es­tabelecer a data correta, pois, a respeito, “silenciam os pa­péis da época”.

O certo é que numa manhã daquele ano, uma multidão se reuniu na porta da casa do bandeirante, dando vivas ao rei dos paulistas.Amador foi até a escadaria do seu solar, sem entender direito o que estava acontecendo.

montagemaclamacaoQuan­do percebeu a intenção da mas­sa, ficou estupefato, pois a cam­panha a seu favor fora feita à sombra, sem o seu conhecimen­to. Ao perguntar o que significa­va aquilo, a multidão lhe respon­deu que não queria D. João IV como rei, queria a independên­cia, criar um reino no Planalto Paulista. E para rei haviam esco­lhido ele, Amador Bueno.

O bandeirante, entretanto, não era “confiável”, como os castelhanos imaginavam. Para surpresa destes e da multidão, ele afirmou que não queria ser rei, e ainda deu vivas a D. João IV, “nosso rei e senhor”.

O povo ficou estático. Não acreditava no que ouvia. Como alguém se recusava a ser rei? Mas interpretaram a postura, nos primeiros momentos, como falsa modéstia do aclamado, que desejava, na verdade, entrar na empreitada quando encon­trasse total firmeza dos aclamadores. Por isso, os presentes con­tinuaram gritando: “Viva Ama­dor Bueno, nosso rei!”, mas ameaçado de morte pela recusa ao reinado, fugiu e conseguiu se refugiar no Mosteiro de São Bento

Resumindo, para a história ficou registrado que o bandeirante foi o homem que não queria ser rei, e a Aclamação ou Revolta de Amador Bueno foi o primeiro movimento separatista ou nativista do Brasil.

Acredita-se que o bandeirante-rei faleceu aos 80 anos, muito provavelmente entre 1646 e 1650 e sepultado numa área do Convento de São Francisco onde funcionou a antiga Faculdade de Direito no Largo de mesmo nome no centro de São Paulo. É um curioso episódio da nossa história….

A anatomia do domínio espanhol que quase consegue ter um estado brasileiro como seu protetorado.

A anatomia do domínio espanhol que quase consegue ter um estado brasileiro como seu protetorado.

 

Bibliografia/Fontes:

  • Gaspar, Frei – Memórias para a História da Capitania de São Vicente, Lisboa – 1797
  • Alves, Odair Rodrigues – O homem que não queria ser rei – JÁ, Diário Popular #49 – 1997

reisp

 

Updated: 27/04/2015 — 10:37 pm

4 Comments

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  1. Amaral muito interessante esta passagem da História Paulista.
    Abs, Alan

  2. Joao Lopes de Barros

    Amaral, agradeço por mais este post de uma passagem histórica do Brasil que eu desconhecia. São Paulo independente e sob o domínio espanhol seria, com certeza, uma potência.

    Parabéns pela matéria!

    Obs. favor desconsiderar a mensagem anterior

  3. Carlos T Furquim

    Caro Amaral muito interessante. Excelente a matéria.
    Abraço

  4. Parabéns por mais esta matéria pouco conhecida da História de São Paulo!! Quem sabe, já não está na hora de fazer algo neste sentido, pois pouco se aproveita sendo parte de um Brasil atual, vilipendiado por um partido de porcos…

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