Mais de 40 anos se passaram, de uma tragédia, cujos culpados vão além do eletricista responsabilizado ( A culpa no Joelma), mas passando pelas empresas responsáveis pela ocupação e manutenção do edifício e certamente por um código de obras que de longe não acompanhava a verticalização da cidade, que 2 anos antes já havia “torrado” o edifício Andraus em tragédia semelhante, mas não com tantas vítimas.
Pois naquela manhã de 1° de fevereiro de 1974, uma sexta-feira, São Paulo testemunhou uma tragédia: um incêndio no Joelma, edifício comercial de 25 andares na esquina da Rua Santo Antônio com a Avenida 9 de Julho, na região central, matou 191 pessoas e deixou 300 feridos. O número de vítimas poderia ter sido bem maior se o heliponto da Câmara Municipal de São Paulo (CMSP), que fica ao lado do Joelma, não tivesse sido transformado em um hospital de campanha. Foi um dia que marcou os paulistanos, especialmente os que estavam no Palácio Anchieta, sede da Câmara.
Ronaldo Salies, na época assessor do vereador Sampaio Doria, trabalhava no quarto andar do Palácio Anchieta quando começou a ouvir uma gritaria, com as pessoas berrando “desce, desce”. Olhou pela janela e viu uma fumaça branca, de um aparelho de ar-condicionado, saindo do Joelma. A fumaça se tornou escura e logo depois surgiram as labaredas. Ele foi para o heliponto e de lá testemunhou cenas que marcariam sua vida para sempre. “Vi muitas pessoas pulando para a morte”, lembra-se emocionado.
“Vai ser uma carnificina.” Ronaldo Salies recorda-se de ter escutado essa previsão sobre o incêndio, que infelizmente se concretizou. Quem deu a sentença foi Carlos Alberto Alves, o piloto do primeiro helicóptero que tentou pousar no Joelma, manobra impossibilitada por causa do calor e da fumaça. “O piloto explicou que não havia sustentação no telhado”, lembra-se Salies. Alves pousou, então, no heliponto da Câmara. Mesmo não tendo conseguido pousar no edifício em chamas, a aeronave de Alves ajudou no salvamento, levando feridos para os hospitais e jogando leite para as pessoas que estavam no alto do Joelma.
O jornal O Estado de S.Paulo, no dia seguinte à tragédia, informou que muitos funcionários da CMSP também subiram ao heliponto e vários tiveram de ser atendidos pelo serviço médico da Casa, pois tiveram crise nervosa. “Como o prédio estava esquentando muito, alguns colegas tiveram medo que a Câmara pegasse fogo”, disse Salies. Em contrapartida, a tranqüilidade de um rapaz, Ydek Butchi, que ficou esperando calmamente o salvamento na sacada do 22° andar do Joelma, impressionou bastante Salies, que se lembra de detalhes 40 anos depois: “Acho que ele estava até fumando”. A espera valeu a pena, pois o rapaz sobreviveu.
Salies tem um motivo a mais para se emocionar com a tragédia do Joelma. Sua esposa é uma das sobreviventes de outro incêndio, o do Andraus. Em 24 de fevereiro de 1972, o prédio de 32 andares, no centro de São Paulo, pegou fogo e deixou 16 mortos e 330 feridos. Ivone, esposa de Salies, conseguiu escapar e teve apenas um pé quebrado.
Embora o incêndio do Andraus tenha sido igual ou em maiores proporções já que o edifício era bem mais alto, e tinha mais material combustível para queimar, a lage plana no topo do edifício contribuiu para que a tragédia fosse menor em numero de vitimas que o Joelma, pois por ali foi “mais fácil” o pouso de aeronaves e tentativas de resfriamento, já que também se tornou uma frigideira gigante, dado a quantidade de chamas que queimavam o edifício
A CRONOLOGIA DA TRAGÉDIA:
- 08:50h – Curto Circuito em ar-condicionado do 12º andar, inicia o incêndio,
- 08:56h – Fogo se espalha e atinge o 25º andar,
- 09:09h – Bombeiros chegam ao local,
- 09:10h – Pessoas começam a saltar do prédio,
- 09:30h – Primeiro helicóptero não consegue pousar no Joelma,
- 12:30h – Helicóptero da FAB inicia o resgate utilizando o heliponto da Câmara Municipal,
- 15h – Bombeiros encerram a remoção de sobreviventes
CHOROS E ORAÇÕES
As 12h30, chegou ao Joelma o helicóptero da Força Aérea Brasileira (FAB), que conseguiu se aproximar do prédio em chamas e começou a levar os feridos para o heliponto da Câmara. A aeronave, que não estava no Estado de São Paulo, era a maior das Forças Armadas na época.
Segundo O Estado de S.Paulo, os feridos mais graves foram levados por outros helicópteros aos hospitais e os que estavam em melhores condições pegavam os elevadores até as ambulâncias que estavam na garagem. O pronto-socorro do heliponto chegou a ter 40 médicos, enfermeiros e estudantes de medicina.
José Carlos del Fiol, à época repórter da Folha de S.Paulo, estava na Secretaria de Turismo da cidade de São Paulo, que funcionava no 12° andar do Palácio Anchieta, quando começou o incêndio. “Pela movimentação das pessoas que estavam comigo e que, nesse momento, se dirigiam ao terraço da Câmara, percebi que havia um incêndio num prédio próximo. Algumas mulheres choravam e muitos funcionários da Câmara, ajoelhados, rezavam. Peguei uma máquina fotográfica e subi ao terraço”, contou ele, na edição de 2 de fevereiro de 1974 do jornal.
Segundo Fiol, a queda de duas pessoas provocou uma reação de desespero total. “Algumas funcionárias da Câmara correram em pânico para suas salas de trabalho e, durante muito tempo, encostadas em suas mesas, choraram”, relata o repórter. Ele ficou no terraço da CMSP até que policiais militares ordenaram a saída dos que não estavam socorrendo os feridos.
No edifício em chamas, quinze minutos após o curto-circuito era impossível descer as escadas que, localizadas no centro dos pavimentos, não tardaram a serem bloqueadas pelo fogo e fumaça. Na ausência de uma escada de incêndio, muitas pessoas ainda conseguiram se salvar descendo pelos elevadores, mas estes também logo deixaram de funcionar, quando as chamas provocaram a pane no sistema elétrico dos aparelhos e a morte de uma ascensorista no 20° andar.
Sem ter como deixar o prédio, muitos tentaram abrigar-se em banheiros e nos parapeitos das janelas. Outros sobreviventes concentraram-se no 25° andar, que tinha saída para dois terraços.
VISÕES E O MISTÉRIO DAS 13 ALMAS
Um dos ascensoristas da Câmara, Aristides Saturnino de Paula também estava no Palácio Anchieta no dia do incêndio do Joelma, trabalhando como faxineiro. Dessa data, ele se lembra do cheiro de queimado impregnando todos os tapetes da sede da CMSP. “Não consegui almoçar naquele dia”, recorda-se.
Desde então, Aristides afirma ver espíritos em vários locais do Palácio Anchieta, inclusive nos elevadores. “Eles entram e desaparecem”, conta. Em alguns momentos ele ja sentiu ter levado até beliscão. “São espíritos que desencarnaram antes da hora e não querem aceitar a morte”, explica o ascensorista. Ele também afirma já ter recebido um espírito de um dos mortos do incêndio pedindo que se faça muita oração pelas vítimas.
Por outro lado, treze pessoas tentaram escapar usando o elevador, mas ficaram presas ali, morrendo carbonizadas, vítimas que nunca foram identificadas, foram enterradas perfiladas, lado a lado, no cemitério São Pedro, Vila Alpina. O zelador do local conta que, frequentemente, ouve gemidos vindos dos túmulos das “treze almas”, como ficaram conhecidas, e que esses gemidos só cessam quando ele molha as lápides com água de mangueira.Veja:
Após a tragédia, o Joelma passou por uma reforma e quatro anos depois foi reinaugurado com o nome de Edifício Praça da Bandeira. Hoje ele se encontra praticamente todo ocupado por diversas empresas e escritórios de contabilidade, engenharia e advocacia e inclusive a sede estadual do PSD.
A cidade viria a sofrer ainda mais dois grandes incêndios, o Edifício Grande Avenida e a Sede da CESP (Center 3), ambos na Avenida Paulista. Mas o código de obras num esforço de políticos, técnicos, organizações da sociedade e empresas e experiências do exterior, foi reformado e atualizado a ponto de se tornar um dos melhores do mundo. Não bastasse isto o próprio progresso deixou SP com a maior frota de helicópteros e helipontos do mundo, e o trabalho heróico exercido pela câmara municipal de SP no caso do Joelma, hoje poder ser muitas vezes multiplicado, se for preciso, embora esperemos que nunca mais aconteçam estas tragédias.
A Câmara viria também a criar uma premiação para aqueles que se destacaram em atos de bravura e heroísmo em tragédias. (Veja aqui).
Bibliografia/Fontes:
- © Revista Apartes #6, Câmara Municipal de São Paulo – Março/Abril 2014
- Agradecimentos a Rodrigo Garcia, Consultor Técnico Legislativo e Jornalista, por permissão de uso parcial ou total de sua matéria publicado na revista Apartes #6
- Wiki – Edifício Joelma, e acervo pessoal
- Veja Window – © Editora Abril S.A.
- Vídeo Balanço Geral – © R7, 2009-2014 Rádio e Televisão
Infelizmente testemunhei isso como repórter. O pior de tudo é que fatos semelhantes continuam acontecendo devido a negligenciamento das mais diversas formas de fiscalização.
Luiz,
A matéria de seu blog sobre o Joelma ficou ótima.
E foi muito gentil de sua parte ter feito um agradecimento especial a mim.
Disponha sempre de minha ajuda e da Apartes. Abraços
Esta é um tragédia que se tornou “case” em várias corporações de bombeiros no mundo todo. Ele é mostrada também junto com o Andraus, e apesar de seu um trágico episódio parece ter contribuído para a elaboração de regras mais duras para segurança. Belo post. Julio