Estamos em pleno Século 21, mas parece não termos evoluído em comportamento para tornar a sociedade e a civilização num mundo mais fácil para viver. Recentemente atormentado por estatísticas de legado de guerra, onde se acumulam vítimas de atropelamentos, de acidentes de veículos, a Prefeitura de São Paulo, pela causa nobre de reduzir estas estatísticas, implantou leis e fiscalização dura para tentar disciplinar e “forçar” motoristas a serem mais educados e respeitarem cidadania coletiva.
Depois de todo o trâmite na Câmara, Kassab aprovou sem vetos, e partiu-se para a orientação e educação dos usuários, e depois coube a CET a fiscalização e penalização, e por incrível que possa parecer as multas batem recordes, sinal de que o projeto e ações foram direto “ao ponto”. Em meio a reclamações de que mais uma “indústria” de multas foi criada, esquecendo-se os atingidos, que se existe indústria de multas existe antes a “indústria” das infrações, vale lembrar o que aconteceu lá no inicio dos anos 70, no século passado, onde o problema era o mesmo, e um policial de transito fez a diferença por alguns anos:
Trata-se do Guarda Luizinho (Luiz Gonzaga Leite), que realizava um processo educativo muito sutil, que apesar dos “constrangimentos” dava resultado melhor que multas, mas exigia presença constante no lugar onde fez a fama.
Este local era a Rua Coronel Xavier de Toledo, na faixa de pedestres entre o Mappin e a sede da Light Power & Co. (Edifício Alexandre Mackenzie), bem no centro de São Paulo, em frente a Praça Ramos de Azevedo com o imponente Teatro Municipal. Naqueles anos, do Milagre Brasileiro, São Paulo fervia em desenvolvimento, e neste local circulavam mais de 1 milhão de pessoas, dos quais 80% passavam pelo Mappin, que outrora já fora considerado o melhor ponto comercial do mundo, e existiam apenas 10% da frota atual de 7 milhões de veículos.
Era comum neste cruzamento uma verdadeira “guerra” entre pedestres apressados e motoristas que não tinham nenhum respeito pela faixa, tal como hoje, passados mais de 40 anos.
O Guarda Luizinho, implementava brincadeiras que consistiam em orientar o povo para que atravessassem a faixa corretamente, não permitindo que condutores de veículos parassem em cima da mesma, e quando isso acontecia, ele abria as portas dos veículos e solicitava que os transeuntes passassem por dentro do carro.
Quando um pedestre desavisado ou descuidado tentava atravessar com o sinal vermelho era barrado por Luizinho que, após uma aula de educação no trânsito, o presenteava com uma caveirinha ou uma miniatura de caixão., e muitas vezes o pegava na mão e atravessava a faixa junto com ele de mãos dadas para o deleite dos demais usuários da via.
“Eu não gostava de dar multa, acreditava mais na educação do que na punição para conscientizar o povo da importância de obedecer os sinais e às leis de trânsito vigentes”, afirmava. “E aquela esquina era um dos locais mais perigosos da cidade, pela quantidade de pessoas que circulava, acontecendo muitos atropelamentos”, afirmava ele, que começou com brincadeiras simples e logo motiva-se a fazer os transeuntes passarem por dentro dos veículos que insistiam em parar sobre a faixa de pedestres.
O Guarda Luizinho logo ficou muito famoso e as pessoas que trabalhavam no Centro ficavam muitas vezes parados na esquina para assistir à atuação do policial.
“Certa vez, uma menina que trabalhava lá perto saiu para almoçar ao meio-dia e se distraiu com as coisas que eu fazia mais do que devia. Acabou voltando para o escritório às quatro da tarde. O chefe perguntou o que havia acontecido e ela contou que ficou vendo o Guarda Luizinho. Foi despedida e veio me contar isso. Fui até o escritório e pedi ao chefe dela que, em meu nome, ele a readmitisse. E foi o que fez”, conta.
Luizinho recebia cartas de brasileiros e estrangeiros que passavam por ali e se encantavam com seu trabalho. Uma vez, ele recebeu um cartão postal da Inglaterra endereçada ao “Sr. Joãozinho, perto do Mappin”. O carteiro logo adivinhou para quem era a correspondência e a entregou a Luizinho. Ele dava autógrafos, tirava fotos, era tema de matérias em diversas mídias.
Mas nem todo mundo gostava de seu trabalho. Era época do governo militar e a integração entre a população e os policiais não era bem vista pela corporação. “Todos os dias eu recebia uma advertência”, lembra Luizinho. “Várias vezes eles me transferiram de posto, mas o pessoal fazia abaixo-assinados com 40 mil, 60 mil assinaturas e eu acabava voltando para a esquina do Mappin.”
O tempo mostrou que a conscientização foi o melhor caminho para o sucesso do seu trabalho. “Em todos os anos em que trabalhei lá, houve apenas um atropelamento e a vítima fui eu. Machucado, tive que cuidar para que o povo não linchasse o motoqueiro que me atropelou.”
Durante sua vida pública o Guarda Luizinho recebeu inúmeras homenagens. Entre elas, foi eleito Policial do Ano pela imprensa em 1975, 1976 e 1977, além do título de Personalidade do Ano pelo Rotary Clube nos anos de 1978 e 1979 na área de atividades humanas. Ainda em 1976 recebeu o Apito de Ouro na escadaria do Teatro Municipal de São Paulo. Recebeu também o título de “Pelé da Faixa” pelo locutor Milton Neves. Sua solidariedade com o povo prevalece, mesmo não estamos mais na ativa como policial, pois virou comerciante. Chegou também a se candidatar a Vereador em 2000, mas não foi eleito.
Enquanto esteve naquele local, as estatísticas foram sempre otimistas, mas bastou deixar o local, bem como qualquer policiamento no local, tudo voltou a guerra de sempre e assim perdurou até os tempos atuais, não só naquele cruzamento, mais como em toda cidade grande que existe neste país.
Depois do Guarda Luizinho, muitos outros similares surgiram pelo Brasil afora, copiando seu estilo e tentando reverter a situação, mas pelo menos em São Paulo, houve muita pouca evolução, que agora tenta-se reverter com o trabalho de Kassab e a CET. Sabemos contudo, que faz parte do comportamento do brasileiro seguir qualquer disciplina, só com intensa fiscalização “em cima”, e se isto não existir tudo volta a estaca zero, pois era assim nos anos 70 e pelo abandono da fiscalização continua nos dias de hoje. Outras leis que foram criadas, emplacaram num primeiro momento, enquanto houve orientação e fiscalização. Mas deixou-se ou reduziu-se a fiscalização tudo tende a voltar no clima de total desrespeito, e claro falta total de cidadania.
Como não é possível colocar um guarda Luizinho em todas as esquinas e faixa de pedestres, 24h por dia, 365 dias por ano, a guerra e suas vítimas poderão perdurar, a menos que uma conscientização milagrosa ocorra, fazendo valer a educação e os valores inerentes a questão.
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