No dia 11 de março de 2011, um forte terremoto atingiu o Japão. Era o princípio do maior desastre nuclear da história desde Chernobyl, em 1986. Depois do tremor de 9° na escala Richter, um tsunami com ondas de 5 metros devastou Honshu, a principal ilha japonesa.
O pior ocorreu na cidade de Fukushima, onde quatro dos seis reatores da usina nuclear Fukushima Daiichi superaqueceram-se e provocaram explosões radioativas – tornando a região praticamente inabitável.
Para evitar futuras explosões, a Tokyo Electric Power Company (Tepco), que administra a usina, passou a resfriar o reator e a turbina com água radioativa armazenada em tanques, impedindo assim novo superaquecimento.
No entanto, uma falha na construção fez com que a água do lençol freático invadisse o subsolo do reator. Essa água contaminada agora escorre para o mar em quantidades assustadoras.
São 300 toneladas de água radioativa (o mesmo que 17 piscinas olímpicas) derramadas no Oceano Pacífico a cada dia.
Especialistas já haviam identificado o problema, que foi encoberto pela Tepco até junho de 2013. Um deles foi Ken Buesseler, cientista do Instituto de Oceanografia Woods Hole (WHOI), de Massachusetts, Estados Unidos, que constatou que o nível de radiação não diminuiu como deveria.
Buesseler analisou milhares de peixes próximos à usina e encontrou alta concentração de césio-134 e césio-137, substâncias radioativas que já deveriam ter se dissipado desde as explosões de 2011 – o que indicou que o vazamento era contínuo.
Apenas no início de agosto, a Tepco abriu o jogo e informou que os níveis de radiação no lençol freático de Fukushima alcançaram 310 becquerels por litro (Bq/L) de césio-134 e 650 Bq/L de césio-137, 60 vezes acima do padrão de emergência da Organização Mundial de Saúde (OMS).
E o surf?
Como era de se esperar, testes feitos pelo WHOI, em parceria com a Universidade de Tóquio, detectaram níveis alarmantes de radiação nas águas ao redor da usina, além da concentração de iodo radioativo 5 milhões de vezes superior ao limite legal.
Ambos os elementos são extremamente nocivos à saúde. A exposição à radiação pode provocar instantaneamente náuseas, vômitos, diarréia, mal-estar generalizado e febre e, a longo prazo, desenvolver tumores malignos.
“Me preocupo principalmente com as crianças que surfam aqui. Os males da radiação demoram a aparecer no nosso corpo. É preocupante”, relata Takayuki Wakita, um dos mais conhecidos surfistas japoneses, que freqüentemente integra a lista de convidados de Eddie Aikau.
Vários pointbreaks próximos ao local do acidente ainda estão interditados. Mas os surfistas mais velhos, teoricamente menos suscetíveis aos efeitos da radiação, insistem em surfar na região.
“Nos primeiros meses após as explosões de 2011, notamos uma queda significativa no número de surfistas no outside”, explica Hiromi Matsubara, diretora-executiva da Fundação Surfrider Japão. “Mas, passados dois anos, mesmo com a notícia de novos vazamentos, o cotidiano da população voltou ao normal e o surf também, com muitos freesurfers na água e a realização de campeonatos amadores e profissionais, como etapas do WQS”, completa o fotógrafo de surf Pedro Gomes, que vive há sete anos no Japão.
Tanto Wakita quanto o campeão nacional Hideyoshi Tanaka criticam duramente o governo e a Tepco por não esclarecerem o risco de surfar em águas com níveis radioativos acima do normal. “Eu continuo surfando porque é minha profissão, sou pago para isso, porém sinto muito receio de toda essa situação.
O que mais me aflige é a falta de informações precisas sobre o que está acontecendo aqui no Japão. O governo e a Tepco muitas vezes parecem estar escondendo a verdade”, diz Tanaka. “Recebo mais informações através da mídia internacional e de amigos do exterior do que de noticiários e fontes oficiais do Japão.”
Já o legend Wakita não alivia nem para a Associação Japonesa de Surf. “Por influência do governo, a associação tenta realizar o maior número de campeonatos possível perto daquela região, para demonstrar que não há perigo para a saúde dos surfistas. Isso é um absurdo, pois não sabemos a extensão do risco de contaminação”, conta.
Pacífico em alerta
Enquanto alguns cientistas adotam uma postura mais cética, afirmando que os níveis de radiação hoje no Pacífico estão menores do que os encontrados na década de 1960, quando os EUA realizavam testes nucleares em alto-mar, estudos divulgados pela Universidade do Hawaii e por cientistas do Departamento de Meteorologia Americano, NOAA, apontam que em poucos anos os níveis de radiação na costa oeste dos EUA podem ser dez vezes maiores do que os de hoje no Japão.
Isso por causa das correntes do Pacífico – que concentrariam a água contaminada na região da Califórnia. A cientista Zofia Baumann, da Universidade de Stony Brook, afirma já ter identificado níveis elevados de radioatividade em atuns pescados na Califórnia que migraram do Japão.
Apesar de o volume de césio encontrado ser mais alto do que o normal, Zofia explica que ele ainda está abaixo dos limites considerados nocivos ao ser humano.
Para Christina Consolo, criadora do site Fukushima Facts, não há dúvidas de que a radioatividade vai atingir a América do Norte.
“Especialistas já disseram que chegou ao Hawaii. A princípio, eles diziam que as substâncias radioativas se diluiriam. Mas não é isso o que está acontecendo. Partículas radioativas carregam uma carga elétrica, então elas tendem a se agrupar. Além disso, tem o problema dos detritos gerados pelo tsunami. Casas, roupas, tênis, barcos, plástico e equipamento de pesca, por exemplo, chegarão à costa oeste em grandes quantidades neste outono. Isso já está acontecendo no Alasca e no Canadá. Alguns desses detritos também podem ser radioativos. Dependendo do que for identificado, as praias podem ser fechadas. Não seremos capazes de saber quais são os riscos até que eles apareçam.”
No momento, ela aconselha evitar alimentos marinhos provenientes do Oceano Pacífico ou produzidos nos EUA ou no Canadá.
“O maior risco, a longo prazo, é a contaminação por alimentos marinhos. Uma vez que a radiação atinge algo tão pequeno como o plâncton, ela se concentra e sobe na cadeia alimentar. A radioatividade, então, vai se concentrar no corpo de quem ingerir o alimento. Alguns elementos radioativos são atraídos por diferentes partes do corpo. Por exemplo, o césio vai para o coração e o estrôncio se acumula nos ossos durante 30 anos e continua se propagando no organismo podendo causar más-formações, câncer de pele, cataratas, destruição da glândula tiroide, câncer de pulmão, leucemia, problemas de estômago e danos nos sistemas reprodutivos.”
E agora?
A proposta da Tepco para solucionar o problema é interceptar a água do lençol freático antes de essa chegar ao subsolo do reator e bombeá-la para um reservatório de aço. O tratamento do líquido seria feito por meio de um novo equipamento de remoção de nuclídeos, chamado Alps, que ainda está em fase de testes e pode filtrar 62 substâncias radioativas, com exceção do trítio.
Depois, a empresa planeja despejar a água com baixa radiação no mar. A idéia é recusada pelo governo, pela população e principalmente pelos pescadores. Desde março de 2011, a indústria da pesca japonesa teve prejuízo bilionário e acredita que a estratégia a colocaria em uma situação ainda pior.
Para Pedro Gomes, os japoneses ainda não se manifestaram claramente contra as usinas nucleares. “Até acontecem alguns protestos públicos (contra a energia nuclear), porém, até o momento, nada muito relevante”, diz. “Eu noto que a população em geral, assim como a comunidade do surf no Japão, vê com muito receio essa situação. Mas de forma bem pacífica, o que é uma característica do povo japonês, acostumado a superar adversidades como tsunamis, terremotos e guerras.”
O governo, por sua vez, apoia o projeto da Kajima Corporation de condensar a água do lençol freático por meio de uma barreira de gelo subterrânea, para evitar a dispersão radioativa ao mar. Tubos verticais seriam fincados em torno dos reatores e receberiam líquido de um grande refrigerador. O líquido circularia nas tubulações e gradualmente diminuiria a temperatura do solo molhado para abaixo de zero.
Segundo o projeto, em dois meses o solo se solidificaria e formaria urna barreira congelada, que bloquearia o curso da água até a usina e preveniria que o líquido contaminado chegasse ao oceano. No entanto, o projeto, que custa em torno de US$ 410 milhões, ainda está em fase de testes e só ficaria pronto em 2015.
O alemão Mycle Schneider, especialista em política nuclear, não acredita que a proposta da Kajima Co. possa resolver o problema. “Precisamos de opções técnicas que providenciariam soluções de longo prazo para administrar a água. E essa certamente não é uma delas, porque precisaria de uma quantidade enorme de eletricidade e falharia na primeira queda de energia”, explica.
Por causa da falta de transparência da Tepco e do governo japonês, Schneider sugere a criação de uma Força-Tarefa Internacional para Fukushima (ITFF), para desenvolver propostas de curto, médio e longo prazos. “A idéia é juntar os melhores especialistas em áreas fundamentais, como água contaminada, manejo do lixo radioativo, tratamento e armazenamento de combustível gasto e proteção à radiação”, diz.
O mais alarmante é que, na prática, uma solução para o vazamento ainda não foi identificada – e muito menos implementada -, e a contaminação do Oceano Pacífico continua.
Após dois anos do acidente, os surfistas voltam a cair nos picos do Japão. Mas eles ainda correm risco de desenvolver doenças graves, como o câncer.
Arrisque-se quem quiser
O único aparente consenso entre cientistas e especialistas é o de que é quase impossível prever as reais conseqüências do acidente, especialmente se a radiação chegar nos EUA, Canadá e Hawaii, banhados pelo Oceano Pacífico. Apenas dentro de alguns anos será possível avaliar se surfar no Japão será novamente seguro.
Por enquanto, pesquisas apontam que a radiação encontrada em peixes está em níveis seguros para o consumo. Mas isso não significa muito, levando-se em conta que os efeitos da radiação levam tempo para aparecer.
O fato é que o vazamento de 300 toneladas de água radioativa por dia ainda está longe de ser controlado e a opinião dos especialistas é unânime: ele precisa ser contido o quanto antes.
Publicado sob concessão da Revista Hardcore, pelo seu Editor Steven Allain, e pelos autores da matéria, repórteres Alexandre Versiani e Kevin Assunção
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