Billings, Henry Borden e a despoluição do Rio Pinheiros – Parte 2

A Light, traz Billings e surge o Projeto Serra

Aqueles que moram na baixada santista, ou aqueles que se utilizam das Rodovias Anchieta e Imigrantes, podem notar um conjunto de oito longas tubulações brotando no meio da mata atlântica, que há décadas mexem com o imaginário de muita gente. Há até quem acredite que por eles circula petróleo, já que findam na região de Cubatão, um dos polos petroquímicos de São Paulo, mas fato é, que o conjunto de tubulações, que se iniciam em uma espécie de “catedral” no topo da serra do Mar, transportam água para uma das mais antigas e eficientes usinas hidrelétricas do país, a Henry Borden, num sistema de captação de água de uma espetacular engenharia que se inicia na capital, distante muitos a quilómetros da baixada.

A história desta obra fantástica começa na primeira metade do século 20.

A volúpia por necessidade de energia e períodos de estiagem que eram causados pela diminuição do nível dos rios e reservatórios que alimentavam as pequenas usinas da Light obrigava a realização de longos períodos de cortes no abastecimento de energia.

Como se sabe desde o fim do Século XIX a empresa canadense cuidava da iluminação, fornecimento de energia e transportes em São Paulo. A situação rapidamente se encaminhava para o caos e toda a sociedade exigia uma resposta da Light.

Foi então que entrou em cena o “Projeto da Serra” do engenheiro americano Asa White Kenney Billings. Ele um norte americano, chegou ao Brasil em fevereiro de 1922 como engenheiro da Light, e ele sabia que, o rápido crescimento da cidade, que começava a dar sinais de industrialização, já apontava um aumento significativo da demanda por energia elétrica.

Estudou intensamente como gerar energia, aproveitando a topologia a da cidade, e teve a ideia, de por quê usar a queda de mais de 700 metros da região conhecida como planalto paulista até a baixada santista para gerar energia elétrica. Apesar da idéia genial para a época um grande desafio se revelava: A topografia do planalto fazia com que os rios que nasciam próximos à Serra do Mar, ou dentro dela, corressem para o interior do estado, ao invés de caminhar para o litoral.

O que outrora foi uma grande vantagem para os Bandeirantes, que pelos rios exploravam o interior do Brasil, tornara-se um grande problema para as idéias de Billings.

Se o desafio era complexo, a competência e criatividade do engenheiro eram a resposta para a solução e deste embate surge a questão: Se os rios não descem para a Serra do Mar, por que não reverter seu curso através de estações elevatórias, formando reservatórios no topo da Serra que permita a geração de energia?

Por mais absurdo que pode parecer na época, estudos realizados revelaram que reverter todos os rios da bacia do Tietê, não seriam possíveis, mas usar os dois maiores rios, sim seriam compensadoras resposta ao desafio.

Como o rio Pinheiros tem sua foz no rio Tietê, o primeiro seria transformado num canal desde sua foz até uma primeira usina de elevação (Usina da Traição), que elevaria suas aguas em 5 metros e uma segunda barragem (Usina de Pedreira-no rio Jurubatuba) que elevaria em mais 25 metros, construindo então o Reservatório Rio Grande mas tarde nomeado com o nome Billings. O reservatório inicialmente recebeu este nome por ser o fluxo de água unico (rio Grande-rio Jurubatuba_rio Pinheiros.

O reservatorio acabaria se formando no trecho conhecido no rio Grande. Uma das pontas deste reservatório conhecido como braço do rio das pedras, seria o que alimentaria a queda direta de 720 m até Cubatão, através daquelas famosas tubulações que descem a serra.

Naqueles anos iniciais do século 20 o rio Pinheiros era todo sinuoso, área de várzea, e por assim ser sempre passando por frequentes inundações para desespero dos moradores locais.

Como eram os rios Pinheiros e Tietê, antes de suas retificações, e as áreas que eles provocavam inundações, numa projeção para 1929

Billings como engenheiro que era, concluiu que para aumentar a eficiência de seu projeto, teria que retificar o rio, que acabou tendo um ganho adicional de acabar com as enchentes da época na então várzea.

Em 1927 tiveram início as obras da Usina Hidrelétrica de Cubatão, a barragem do Rio Grande (que depois foi expandida e ganhou o nome de Represa Billings).

Depois de problemas de atrasos nas obras durante o período iniciado a partir da Revolução de 32, a retificação do canal do Rio Pinheiros e as estações elevatórias em seu percurso foram concluídas em 1944, acabando com as grandes inundações que ocorriam em suas margens durante séculos (depois, com a impermeabilização do solo, as inundações voltaram, mas esta é outra história…)

Com o sistema em pleno funcionamento, a Usina de Cubatão mostrou-se um sucesso acima das expectativas, pois sua queda de 720 metros e o uso das turbinas Pelton, otimizadas para uso com pouco volume de água, tornaram-na uma das mais eficientes do mundo.

O reconhecimento mundial do trabalho de Billings veio em 1936, quando a “Institution of Civil Engineers” de Londres convidou-o a apresentar um relatório sobre o trabalho feito no Brasil, especialmente em São Paulo.

O documento “Water-Power in Brazil” tornou-se um clássico no assunto, com leitura recomendada nas Escolas de engenharia de todo o mundo. Seu nome é uma constante na lista dos maiores engenheiros do séc.  XXI.

Durante o período em que Billings esteve no Brasil, entre 1922 e 1949, a geração de energia em São Paulo aumentou de 90 mil quilowatts para mais de 500 mil quilowatts.

Depois da aposentadoria de Billings, foi construída outra obra fantástica, uma segunda usina subterrânea ao lado da Usina de Cubatão, totalmente escavada na rocha, com os mesmos 720 metros de queda e turbinas Pelton, aumentando a capacidade de geração de energia para 800 mil quilowatts.

Além da geração de energia, a Represa Billings tornou-se um dos principais mananciais da região metropolitana de São Paulo, junto com a represa Guarapiranga também construída pelos ingleses da Light. Infelizmente, na década de 80, a poluição das águas do Pinheiros estava tornando as águas da Represa Billings impraticáveis para consumo humano, e o bombeamento foi interrompido. Com isto, hoje a Usina de Cubatão continua na ativa, mas opera com apenas 1/4 de sua capacidade.

O braço Rio das Pedras é o que abastece diretamente a Usina Henry Borden
Vista aérea do braço do reservatório Rio da Pedras da Billings em conexão com a”catedral da serra” e os tubos que descem até Cubatão. Ao fundo na parte superior, a Rodovia Imigrantes e mais ao centro a Rodovia Anchieta

Mas com o passar dos anos e em função do elevado crescimento populacional e industrial da Grande São Paulo ter ocorrido sem planejamento, principalmente ao longo das décadas de 1950 a 1970, a represa Billings possui grandes trechos poluídos com esgotos domésticos, industriais e metais pesados. Mesmo fenômeno ocorreu com a Guarapiranga, com ocupações irregulares, sem qualquer controle. No caso da Billings apenas os   braços Taquecetuba e Riacho Grande são utilizados para abastecimento de água potável pela Sabesp. Também é utilizada para pesca de amadores e profissionais.

É fato também que quando a usina hidrelétrica foi construída, em Cubatão, não existiam esses problemas de poluição das águas que chegavam à represa Billings e alimentavam em seguida as turbinas, indo depois depois para o mar,através do Rio Cubatão e outros.

Décadas depois, de sua inauguração a represa chegou a ser transformada em um enorme depósito de esgoto a céu aberto, e começaram os protestos, pois esse esgoto contribuía significativamente para a poluição do planalto e do mar, na baixada santista.

Em 1969, uma grande estiagem ocorreu no Estado de São Paulo, onde o esgoto da Capital que era desviado para a Represa Billings na reversão do Rio Pinheiro produziu uma espécie de gás que, ao descer pela tubulação da Hidrelétrica Henry Borden, causava atrito no eixo das turbinas geradoras de energia elétrica. Turmas de vigilantes da antiga Light estavam sempre de prontidão junto a essas turbinas. Além do mau cheiro do esgoto, o atrito da matéria fecal e a geração de gases acabavam, quase sempre, por provocar focos de incêndio.

A reversão do rio Pinheiros além de sua própria poluição trazia aguas poluídas do rio Tietê, que se acumulavam na Billings e causavam todos os transtornos já conhecidos.

É possível entender nesta situação o papel grandioso do Rio Pinheiro na geração de eletricidade e no abastecimento da região metropolitana de SP.

Continua – Parte 3

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Updated: 02/06/2021 — 12:24 pm

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